Comecei a roer a ponta do dedão agora que não me restam unhas para descontar meu nervosismo. Caminho de um lado para o outro no chão de madeira do meu quarto, encarando o celular parado em cima da escrivaninha. Deixei a tela desbloqueada na conversa com a criatura misteriosa e, o que está me deixando apavorada de verdade, é que ele não ficou offline um segundo sequer durante o trajeto de meia hora da escola até minha casa.
Calma, Ariel. Deixa de ser covarde. Deve ser mais alguma pegadinha idiota da Jessy. Ela sabe que, no fundo, tenho medo dessas coisas de terror.
Agarro o celular, me sento na beirada da cama e, finalmente, meus dedos ganham coragem."Não tem graça, Jessy. Tá, eu sei que mereço depois do que disse pro Richy, mas comprar um chip só pra me assustar? É sério isso??"
"Eu não sou a Jessy."
"Hum, tá, claro. É o Richy então?"
"Não."
"????"
"Vamos cortar essa baboseira."
Subitamente, um vídeo toma conta da minha tela. MAS QUE MERDA É ESSA?!
"Ariel? Você está aí?"
Não basta esse Darth Vader 2.0 ter me enviado o vídeo mais bizarro que já recebi na vida, pedindo para confiar nele — sem revelar o rosto, nome ou qualquer outra coisa que um ser humano normal faria —, o imbecil, ainda por cima, sabe o meu nome.
"QUE MERDA TÁ ACONTECENDO?!"
"Calma, Ariel. Eu vou te explicar tudo."
"Ah, mas é bom mesmo! Caso contrário, vou chamar a polícia!!"
"Não faça isso, por favor."
"Então comece a se explicar."
"Eu posso... te ligar?"
"Que seja."
Me arrependo de ter concordado no instante em que "What's up, people! - Maximum The H." começa a tocar.
Eu não deveria atender. Eu posso simplesmente bloqueá-lo, certo?!
Recuso a ligação e utilizo o Who's Call, um dos aplicativos essenciais na minha vida. Pronto, número bloqueado. Faço o mesmo no Whatsapp.
E então, meu telefone torna a tocar.
Que bruxaria é essa?
Enfio o dedo sem delicadeza alguma na tela do celular.
— Que merda é você?!
— Hum... como assim? — A voz dele soa normal, sem aquele efeito tenebroso.
— Eu te bloqueei. Como você... ah — lembro então do que ele mencionara no vídeo. — Claro. Você é a porcaria de um hacker. Que diabos você quer comigo?
— Escuta... isso é tão estranho pra mim quanto pra você — suas palavras saem praticamente sussurradas. — Mas eu não tive escolha. Você... é a única pessoa que pode me ajudar.
— Certo, vamos com calma. — Respiro fundo. — Ajudar a encontrar a Hannah, certo?
— Sim.
— Por que ela foi sequestrada, correto?
— Isso mesmo.
Sugo todo o oxigênio do cômodo e expiro pelo nariz, bem devagar.
— E por que eu?
Silêncio.
— E por que eu?!
— Hum... — ele pigarreia. — Eu prometo que vou te contar, quando for a hora certa.
Solto uma risada de desdém.
— É sério que você espera que eu te ajude sendo que não quer ao menos me contar o motivo?! — reviro os olhos. — Olha, se isso for uma pegadinha, não tem graça. E caso não seja, você pode muito bem pedir ajuda para qualquer um dos amigos dela. Espera... — passo a mão na testa — ... você é o Thomas por acaso?!
— Não. Eu não confio em nenhum deles, inclusive no Thomas. Eles são suspeitos, Ariel. Na verdade, é bem provável que algum deles seja o sequestrador.
Tiro o celular da orelha e faço o que costuma me acalmar em situações de extrema ansiedade: comer chocolate.
— Hum... você está aí? — ele pergunta.
Abro uma das minhas barras de emergência estocadas na gaveta da cama e encho a boca, escorando na cabeceira. — Simesperatopensano.
— Oi?
Engulo o alimento dos deuses. — Eu disse que estou pensando.
— Desculpe dizer isso, mas... não temos muito tempo.
— Cara, é sério isso? Se coloca no meu lugar!
Ele não responde.
Vamos lá, Ariel: se você concordar em ajudar, pode acabar sendo encontrada morta na floresta amanhã. Mas, ao mesmo tempo, seria tão ruim assim morrer considerando a vida que você tem? Você já não está, tipo, meio morta por dentro?
É, isso é verdade. Não acontece absolutamente nada nessa cidade. Será que prefiro ficar em casa assistindo Netflix e jogando PS4 ou caçar um potencial serial killer com um desconhecido que pode acabar sendo o próprio serial killer?
— Tô dentro.
— É sério? — suspira aliviado. — Eu... obrigado.
— Não me agradeça tão cedo. Ah, e só para avisar, eu posso não ser forte, mas carrego uma faca e não tenho medo de usá-la. Meu pai me ensinou a me defender.
Tenho a impressão de escutar um riso abafado.
— Não se preocupe, você pode confiar em mim. Mas... — ele hesita.
— Ah, merda. O que foi agora?
— Você não vai gostar do que vou te contar, mas precisa confiar em mim.
— Desembucha, cara. Não tem como ficar pior do que isso.
— Bem... existem alguns suspeitos, como você deve imaginar. O Thomas, a Cleo, o Dan, o Richy e até mesmo a Lilly.
— E o que tem de errado com isso? Eu mal conheço essas pessoas.
— Calma, ainda não acabou. Existe mais uma suspeita. — Uma pausa. — Jessy. Ou melhor, Jessica Hawkins... sua melhor amiga.
Deixo uma gargalhada escapar.
— Ha-ha. Muito engraçado.
— Eu queria estar brincando, Ariel. — Instintivamente, elevo a mão à boca. — Mas, como você deve saber, a Jessica e a Hannah eram amigas alguns anos atrás. E, bem...
— E bem o quê?!
— O Thomas encontrou algo que, de alguma forma, está relacionado com o desaparecimento dela.
— Cara, dá pra ir direto ao ponto? O que isso tem a ver com a Jessy?
— É uma pulseira. As iniciais gravadas nela correspondem às iniciais da Jessica, J.H.
— Certo... — salto da cama e recomeço o vaivém pelo cômodo. — Você sabia que muitas pessoas tem as mesmas iniciais, certo?
— Não dentro do círculo de pessoas que a Hannah conhece.
— A Hannah é popular, não é? Ela deve conhecer gente que você nem faz ideia! — altero o tom de voz. — Afinal, quem é você?! Como eu sei que você não é o sequestrador?!
Seu suspiro é mais longo desta vez, como quem está exausto.
— Eu vou te explicar tudo amanhã. Pessoalmente.
Engulo em seco.
— Hum... como assim?
— Vou te mandar o endereço por mensagem. Mas, lembre-se: você precisa vir sozinha. Ninguém pode te seguir. Ninguém!
— Mas...
E ele desliga.
Por um instante, cogito a possibilidade de estar sonhando, mas a notificação do Whatsapp prova o contrário. Abro o suposto endereço no Google Maps e, honestamente, só pode ser uma armadilha."Você quer que eu vá até aquela pousada abandonada que não funciona há anos? É sério isso?"
"Eu sei que é dificil confiar em mim, Ariel. Não te culpo por isso."
"Ótimo! Porque, sinceramente, eu retiro o que disse. Não vou te ajudar porcaria nenhuma. Boa sorte, cara."
E antes de poder ler a resposta, desligo o celular. Jogo ele dentro da gaveta. Também tiro o notebook da tomada, só por precaução. E colo um adesivo na Webcam. E abaixo a tela. E fecho as cortinas. E a porta. Ai meu Deus, onde está a minha chave?!
É, Ariel...
Não é hoje que você consegue dormir.
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SCARECROW - DUSKWOOD
Misterio / SuspensoDo ponto de vista de Ariel, não há cidade mais bizarra que Duskwood. E, de certa forma, ela não está errada: todos os anos, nas noites de 31 de outubro, um cadáver é encontrado no meio da floresta. A polícia negligente é incapaz de divulgar detalhes...