Capítulo 3 - 11

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O-que-é-que-estou-fazendo-aqui?!
Eu disse que não viria.
Eu sei que é idiotice.
Eu sei que provavelmente estou cometendo o pior erro da minha vida.
ENTÃO POR QUE AINDA NÃO FUI EMBORA?
Talvez seja curiosidade. Ou burrice. Ou o medo de ter um hacker invadindo meu quarto no meio da noite tentando me estrangular porque recusei-me a ajudar.
Ou, quem sabe, um pouco das três coisas.
Não fui capaz de pregar os olhos a noite inteira, e aqui estou, mal conseguindo manter o celular parado por culpa das mãos trêmulas, com o coração quase explodindo, encarando um prédio antigo e parcialmente destruído. Muito tempo atrás, havia uma placa com letras garrafais indicando o nome do local: FOREST DREAM. Agora, quase todas elas despencaram, e o edifício abandonado passou a se chamar OSTRA. O que antes eram quartos aconchegantes, tornou-se um refúgio para os sem-teto e ponto de encontro dos nóias de Duskwood.
Meu celular vibra.
— Alô?
— Ariel?
— Certo, eu sei que você é um hacker e tal. Mas como adivinhou que eu estava aqui?
— Com aqui você quer dizer, no endereço que te mandei?
— Espera... você não sabia?
— O que você acha que um hacker faz exatamente?
— Ah, sei lá, é só que... — deixo uma risada nervosa escapar. — É, você tem razão. Burrice minha.
— Eu te liguei porque vi que você estava online. Mas fico feliz em saber que já está aqui, pensei que precisaria te sequestrar.
Meu corpo congela.
— Estou brincando.
— Ha. Ha. Ha-ha — risada duplamente nervosa. — Se seu plano é me fazer voltar para casa, está funcionado.
— Não, espera... desculpe.
— Ah, que se dane. Me diga logo onde eu tenho que ir — observo a neblina ao meu redor. — Não sei se é uma boa ficar sozinha por aqui às seis horas da manhã.
— Sim, claro. Apenas entre, pegue as chaves que deixei na recepção e suba pelas escadas à direita até o segundo andar. Estarei te esperando.
— Tá, mas...
E ele desliga.
Será que é mania de hacker desligar na cara dos outros?
O assoalho range quando atravesso a entrada cujo batente está se deteriorando. Como esse prédio ainda não desmoronou? As janelas permitem que o ambiente permaneça iluminado, mas aparentemente não há energia elétrica, então imagino que ele não esteja passando a noite aqui. A quantidade de poeira que invade meus pulmões provoca uma tosse instantânea, o que é péssimo para a minha alergia. Ao identificar o que deve ter sido uma recepção muito tempo atrás, não encontro chave alguma.
— É claro que não tem chave. É ÓBVIO! — grito. — Agora é a hora que você aparece com uma arma na minha cabeça?! Vem, estou esperando!
Nada acontece. Balanço a cabeça em sinal de inconformidade.
Que merda estou fazendo?
No momento em que me viro, prestes a sair, dou de cara com uma mensagem na parede, provavelmente escrita à carvão: 1947.
Está de brincadeira? Ele me diz que não pode perder tempo e fica fazendo esse tipo de charada?
Bufo, apoiando as mãos na cintura. — Uma coisa que você não sabe: sou extremamente competitiva.
Tá, Ariel, pensa. O que aconteceu de importante em 1947?
Argh, como eu vou saber? Detesto história.
Decido então inspecionar a parede mais de perto na esperança de descobrir alguma pista, e... bingo!
...
QUE MERDA É ESSA?!
NMT, AMPS, GSM, CDMA, TDMA,...
O que são essas siglas espalhadas pela parede inteira? Ele acha que sou uma espécie de gênio ou o quê?
Como a pseudo-gênio que sou, verifico meu sinal e, bem... talvez ele não seja tão inteligente assim ou, quem sabe, extremamente ingênuo. Afinal, com 4G tenho ajuda da onipotente internet.
AHA!
São as siglas que representam os sistemas utilizados nas tecnologias de telefonia móvel que conhecemos como 1G, 2G, 3G e blá blá blá.
Hum... de alguma forma, parece estar relacionado com celular.
Bingo duplo! A invenção do telefone celular aconteceu em 1947.
Celular? Espera. Não pode ser. Impossível. Não teria como ele...
Tcharan.
O objeto metálico produz um leve tinido ao cair no chão assim que tiro a capinha de silicone do celular. Como isso veio parar aqui? Será que a Jessy está ajudando esse cara? Não... ela não faria isso. Ou faria?
A chave contém o número 11 gravado.
Subo as escadas em passos extremamente lentos, com medo de afundar a perna em um desses degraus pútridos.
— Certo, estou aqui — sussurro para mim mesma. — Ainda dá tempo de desistir. Mas, eu já vim até aqui...
Fico encarando a porta desbotada na intenção de ganhar superpoderes e enxergar o que tem lá dentro. Ele não teria feito alguma armadilha, teria?
Ah, dane-se.
Coloco a chave na porta e a giro, sem nem pensar duas vezes. Dou-lhe um empurrão e dois passos para trás ao mesmo tempo. A porta abre como naquelas cenas de filme de terror, rangendo dramaticamente. Não há muito por onde entrar luz aqui em cima e o quarto parece um breu de tão escuro, o que significa que as janelas provavelmente foram vedadas. Ele realmente espera que eu entre aí?
— ... olá? — digo, com a voz trêmula.
— Até que você foi rápida — sua voz ecoa. — Bom trabalho, Ariel. Não achei que conseguiria decifrar o enigma.
— Olha... — eu tusso. — Foi difícil, tenho que confessar. Agora dá pra me explicar por que você fez isso? — cruzo os braços. — Pensei que tivesse pouco tempo pra esse tipo de brincadeira.
— Era um pequeno teste. Você usou seu celular para descobrir a resposta, certo?
Engulo em seco. — Hum... claro que não!
Silêncio.
—... O que você vai fazer se eu disser que sim? — confesso.
— Nada. Essa era a intenção desde o começo. Caso você ainda não houvesse sentido a chave dentro da capinha, pensei em te dar uma dica.
Dou três passos, passando pelo batente da porta. Agora sim não enxergo absolutamente nada. Sorrateiramente, levo uma mão até as costas, apanhando a faca afiada que carrego no cós da calça.
— E como é que você conseguiu colocar a chave na capinha do meu celular?
O ranger do assoalho indica que ele começou a se mover.
Um passo.
Dois passos.
Três passos.
Droga, ele está vindo na minha direção.
Minha vontade é de sair correndo. Mas, obviamente, quando mais preciso minhas pernas não colaboram. Permaneço grudada no chão como se houvesse afundado os pés em cimento fresco.
Então, o barulho para. Sinto sua respiração pesada na altura da minha testa.
Meu Deus, eu vou morrer.
Se ele não me matar, terei um ataque cardíaco.
Subo a faca lentamente, me preparando para usá-la... Quando ele acende um fósforo e o posiciona entre nós dois.
— Acho que você não é tão inteligente assim, afinal de contas.
— V...V...VOCÊ?! — arregalo os olhos, estupefata.
— Surpresa — ele diz, sorrindo com o canto da boca. — Você não deveria deixar seu celular na carteira enquanto vai ao banheiro. Alguém poderia colocar uma chave lá dentro, sabe.
Solto a respiração que, pelo jeito, estava prendendo. Guardo a faca com muito cuidado para que ele não perceba.
— Você... por que... hein? — balbucio, confusa. Acho que meu cérebro virou miojo.
O garoto mudo esboça um sorriso furtivo.
— Se lembra de mim?
— Claro que sim. A sala inteira lembra do mico que você fez o diretor pagar.
Ele acende algumas velas distribuídas pelo cômodo, produzindo luz suficiente para que não tropecemos na própria sombra.
— Por que tudo isso? Não é só abrir a janela?
— Eles não... eu não posso ser encontrado. — Ao terminar, senta-se em uma daquelas caixas de feira vazia. — Na verdade, é um grande risco para mim estar em Duskwood.
Ele prepara o tão luxuoso assento para mim ao seu lado.
No caminho até ele, noto que não há mais nada no cômodo. Está completamente vazio.
— Se é tão arriscado assim, por que você está aqui? — indago, sentando-me com cautela.
— Para salvar a Hannah.
Me arrependo de ser tão desatenta e não olhá-lo com mais atenção na escola, pois é um tanto difícil enxergar com tão pouca luz. Aqui, pelo menos, ele está observando a parede, e não os próprios sapatos. Em uma breve examinada, reconheço as mesmas roupas largas de ontem; seu par de óculos quadrado parece grande para ele, pois deslizou até a ponta do nariz; seu rosto é magro, a mandíbula marcada, a barba mal feita. Não preciso acender as luzes para constatar seu aspecto exausto. Parece que ele não dorme há dias.
— Certo... o que me lembra que você ainda não disse o motivo por trás disso. Se o Thomas é namorado da Hannah, você é...
— Isso não importa — interrompe, ajeitando o óculos. — A minha relação com a Hannah é o de menos. O importante é que preciso da sua ajuda.
— Olha, cara... sendo sincera, eu nem sei porque vim até aqui, mas eu vim. E eu quero ajudar.
Apesar do mau-educado sequer me olhar nos olhos, faço questão de encará-lo.
— Mas para isso, preciso de respostas. Por que somente eu posso ajudar? Por que não pode ser outra pessoa?
Ele suspira, afundando o rosto nas mãos.
— A Hannah. Ela... me mandou uma mensagem antes de desaparecer — ele apoia os cotovelos nos joelhos, sustentando o queixo com as mãos. — Com o seu nome, e nada mais.
— O quê?! — me levanto, atônita. — Mas... por que ela faria isso? Se eu nunca falei com ela na vida?
— É exatamente isso que estou tentando descobrir. Sinto que, de alguma forma, você é a chave para tudo isso.
Começo a andar em círculos.
— Não poderia ser outra Ariel?
— Você conhece alguma outra Ariel Livingstone em Duskwood? — ergue a sobrancelha. — Ou melhor, você é uma das únicas Ariel Livingstone's do país.
Torno a sentar, e desta vez sou eu quem afundo o rosto nas mãos.
— Você disse que viu o sequestro, certo? — ergo o olhar e, por um segundo, pego-o olhando para mim. — Não tem ideia de quem seja o desgraçado?
— Não... eu não estava aqui. Como já sabe, acabei de ser transferido. Eu... estava lá quando o sequestro aconteceu.
— Em Colville? — franzo o cenho. — Então como você viu o tal sequestro?
— Ela... me ligou. — ele passa a mão no rosto, parando-a em cima da boca. — Uma chamada de vídeo. Eu... vi tudo. Ele a pegou por trás. — Uma pausa. Permanecemos em silêncio durante alguns segundos. — Infelizmente, a pessoa estava usando uma espécie de máscara. Não consegui ver nada além disso. Quando encerrou a chamada, a Hannah... já deveria estar inconsciente — ele limpa a garganta. — Eu não sei o que fazer, Ariel. — Pela primeira vez, seus olhos me encaram fixamente. — Não posso confiar em mais ninguém além de você.

SCARECROW - DUSKWOODOnde histórias criam vida. Descubra agora