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A aldeia encontrava-se silenciosa numa paz absurda. A Lua brilhava alto iluminando as ruas vazias e sorrindo vislumbrada, tocando as folhas das árvores orvalhadas e beijando o sino dourado da igreja que badalava harmonioso. Os lobos uivavam chamando as crias para se alimentarem, ali, longe dos olhos da aldeia, sobe a floresta densa, tão densa quanto o nevoeiro que beijava a vila agora vazia após mais uma lua de sangue.

O caminho por entre as casas encontrava-se sujo, lamacento e coberto de respingos de sangue. As luzes acesas, esquecidas. A aldeia antes próspera e cheia de vida, agora exalava um odor pútrido enquanto os corpos em decomposição eram comidos pelos abutres e restantes animais necrófagos.

As árvores cantavam uma canção de ninar, balançando os bracinhos, soprando. Elas estavam amando tudo aquilo, amando a destruição, o fim do pequeno vilarejo e das pobres almas daqueles que um dia ali viveram.

Um sobrevivente. Apenas um bebé em uma cesta de madeira podre. Ele estava coberto por um manto sujo, escondido em baixo da cama da sua falecida mãe, já transformada em apenas uma poça amassada de carne podre e ossos quebrados. Ele chorou por dias, sozinho, com fome e com frio, medo, pavor.

Quando o seu corpo foi erguido e o seu rosto beijado pela luz das tochas ele sorriu cansado. Mesmo que as garras do homem tenham machucado o seu rostinho, mesmo que o outro fosse completamente assustador, pele pálida e fria, olhos afiados, negros como a noite. A voz grossa, mas ao mesmo tempo suave. O homem não sorriu de volta, sequer esboçou qualquer reação quando o seu dedo foi apertado entre a mãozinha pequena e quente.

O bebé não se importou. Ele estava demasiado feliz por ver alguém ao fim de tantos dias. Os ossos salientes cobertos apenas por uma fina camada de pele, bolsas negras sobre os olhos puxados, avermelhados e cansados do choro.

Consigo havia uma pulseira de ouro branco. "Yang Jeongin" dizia em letras bonitas, trabalhadas. O homem suspirou apertando a criança contra o seu peito, nauseado pelo cheiro a carne podre que parecia não afetar o pequeno que continuava sorrindo, mostrando os poucos dentinhos de leite nas gengivas rosa.

—Mestre?- alguém chamou quebrando o contacto entre o nariz do monstro e o pescoço da criança. Ele cheirava a terra molhada, poeira e suor. Ainda assim era possível um aroma doce e familiar ser percebido pelo olfato desenvolvido do Bang.

—Ele está fraco.- Chan observou o balançando e brincando com a pulseirinha. —Só tem nome de mãe!- constatou rindo amargo. Uma tristeza absurda o atingiu. As memórias o engolindo com força, o relembrando dos momentos que teve com a mãe daquela criança. Momentos esses tão bons e que o fizeram sentir tão bem antes que tivessem de se separar. Não sem antes a Yang levar um pedacinho de si.

O seu servo suspirou olhando em redor. Não havia nada sobrando, tudo destruído, sujo, quebrado. E a Lua sorria cheia, brilhava se deliciando com a matança. As almas chorando, pedindo por misericórdia a entretiam, a deixavam mais brilhante ainda, feliz. A Lua adorava morte.

—Pode ser uma armadilha, Mestre!- aconselhou o elfo anão, loiro de orelhas pontudas e cabelos longos. —Porque deixariam uma cria para trás se dizimaram a sua raça inteira?

—Eles não matam crianças, Changbin!- explicou Bang Chan paciente, embora não estivesse tão calmo como queria transparecer. —Faz parte do seu código de conduta.

—Mas neste caso não é qualquer criança, Senhor! É a sua cria!- exclamou recebendo um olhar mortal. O loiro então calou-se. Os braços cruzados atrás das costas sempre atento ao mínimo ruido. Os passos do outro foram se afastando até sair da casa. As botas de cano alto tocando o caminho lamacento, as asas balançavam em frenesim para espantar a ansiedade. O mais alto virou o rosto para o outro lado com uma careta ao ver o corpo de uma idosa espalhado pelo piso.

O Legado dos DeusesOnde histórias criam vida. Descubra agora