- Filha você vai se atrasar para a aula – uma voz doce e baixa vem de trás da porta, minha mãe.
Uma bela mulher de pele clara com curtos cabelos ruivos na altura dos ombros e brilhantes olhos cor de mel, nem parece que acaba de completar seus bem vividos quarenta anos e o engraçado é que ninguém acredita quando revela a idade dela, sempre dizem que meu pai é bem mais velho que ela, o que é totalmente mentira, pois ele é dois anos mais novo, só que minha mãe tem a tal da "boa genética" a seu favor, como dizem suas amigas.
- Mãe, eu já to descendo, calma! – anuncio da cama com a voz rouca de sono.
Não. Volta às aulas não. Normalmente é sempre igual: 1) Chegar antes de todos para conseguir um lugar no fundo da sala, 2) Lanchar sozinha, sentada do lado da porta da sala, aproveitando os únicos minutos que tenho para ficar sozinha e 3) Passar mais um ano sendo a desajustada da classe. Mas não ligo, já acostumei.
Sento na cama esfregando os olhos com as mãos, observando como meu quarto está bagunçado. Tem roupa espalhada para todos os lados, minha escrivaninha já está mais para cesto de roupa, porque a maior concentração de roupa suja está em cima do computador e dos meus cadernos de desenhos. Corro o olhar ao meu redor e vejo que se eu não arrumar esse quarto hoje, certamente amanhã vou acordar com um ogro se mudando para cá. Uma porta do guarda-roupa está aberta, revelando um cenário "pós-guerra" no seu interior com direito a objetos que nunca deveriam estar ali, mas deixa isso pra lá.
Conformo-me que tenho que ir pra escola, levanto da cama como se fosse um zumbi, caminho até o rádio que está próximo a janela e o ligo colocando músicas, que, a meu ver, são animadoras para se começar um dia. Amarro meu cabelo num rabo de cavalo, pego minha mochila que por sinal já está em condições de ser trocada por uma nova e me direciono para a escada, mas antes de sair do meu quarto passo na frente do espelho e involuntariamente paro por um tempo.
Quando percebo, estou eu ali observando o que o espelho reflete: uma garota de estatura média, longo cabelo ruivo, maçãs do rosto magras que unindo com as olheiras fundas, parece que realmente estou me tornando um zumbi... e para intensificar essa ideia significativamente, estou dentro de um vestido vermelho um número maior. Sem julgamentos, é a única peça de roupa limpa.
Já estou ciente que com essa aparência não me ajudará muito a passar mais um ano suportando meus "colegas de classe", mas fazer o que, essa sou eu querendo ou não. Desço as escadas com certa desaprovação e vou até a cozinha, onde meus pais já estão terminando de tomar o café da manhã.
- Filha, pronta para aula após as férias? – pergunta meu pai tão animado que não sei se está mesmo animado ou se sabe que eu odeio ir pra escola e só quer me animar.
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A Linha da Pipa
RomanceTardes inteiras em frente ao antigo piano. Madrugadas usadas para se expressar com rabiscos em folhas brancas. Filmes com os pais todo fim de semana. Essa é a vida solitária e sem grandes emoções de Alice Fear, a mesma que está preste a ter inúmeras...