Benardo estava estudando enquanto seu pai assistir o telejornal da tarde esparramado no sofá como um porco na sujeira, falando em porco, é exatamente como o pai do garoto é, corpo largo, pele rosada, careca e com nariz de tomada, seus olhos miúdos é uma inteligência empacada. Já o filho do senhor Josuel, Bernardo era o oposto do pai, cabelo de trigo penteado para trás, pele rosada, olhos grandes e verdes e quando colocava os óculos ficavam 10 vezes maior, nariz fino e levemente arrebitado, sua boca tinha um formato de coração, o garoto era tão calmo como um gato com preguiça de se espreguiçar. As mãos extremamente longas do rapaz rabiscava o caderno tentando resolver os complicados cálculos, um fio de suor de tava de têmpora.
" O caso flor de cemitério foi encerrada ou esquecido?" — indagava a repórter jornalista.
Bernardo olhou para televisão atento ao noticiário.
" Com a falta de provas, e sem mais mortes, o caso parece ter sido abandonado pelas autoridades, depois da morte de quatro jovens, será que a justiça irá abandonar o caso, deixar as famílias das vítimas sem explicações? "
O pai do rapaz virou-se para ele e falou.
— Um absurdo, dois jovens bons, de Cristo assassinados e o caso abandonado como se os garotos não fossem gente decente...
Bernardo teve que segurar o riso, os garotos podiam ser tudo, menos decente, o rapaz sabia o que os colegas da igreja faziam às escondidas,fumando maconha atrás do carro da quadra da escola e praticando bullying com os mais fracos, na rua arranhavam automóveis com pedras ou cacos de vidro, o garoto não concordava com que flor de cemitério estava fazendo mas acreditava que Jesus iria perdoar as mortes em suas costas.
— ... Essa pessoa tinha que ser presa, as leis do Brasil não resolve nem caso. — esbravejou o pai do rapaz de batendo o punho no braço do sofá.
— Um dia vão descobrir. — disse Bernardo voltando aos estudos já não conseguindo mais se concentrar nos cálculos.
O rapaz guardou o seu material e deixou o pai falando sozinho enquanto foi tomar banho.
***
Bernardo esfregou os braços de frio, a jaqueta de aviador esquentava o rapaz, mas ele sentia outros tipos de arrepio, medo, expectativa, ansiedade, estava meses namorando Kerol e ele nunca teve coragem de ir até lá. Antes mesmo de chegar no portão ele podia ouvir o batuque do atabaque, as pessoas cantando em sincronia, o forte bater de palmas no ritmo do ponto cantado, as pernas dele fraquejaram, o coração pulsou mais forte, o cheiro de incenso invadiu suas narinas o envolvendo. No portão de ferro uma plaquinha dizia " centro de umbanda ", ele abriu e foi para a construção de onde vinha a musica.
Até para ele que nunca entrou num centro antes, boquiaberto era pouco, Benardo não sabia para onde olhar, se para o gongar cheio de flores de todos os tipos, velas coloridas e orixás de gesso, ou as mulheres e homens de branco girando e dançando livremente na roda, ou até mesmo as bandeirinhas azuis e brancas, que ele se lembrou que Kerol disse uma vez que era as cores de Oxalá. O rapaz sentou num dos bancos de madeira e viu encantado aquela religião que para ele até pouco tempo praticava o mal, mas sua namorada o explicou que nada que diziam era verdade, explicou que a umbanda como todas as outras, seus principies morais era a caridade e a fraternidade.
Bernardo viu sua namorada dançando livremente como um pássaro a rodopiar no céu infinito, tão linda com uma enorme saia branca e uma bata, o rapaz demorou mais se lembrou que o turbante que ela estava se chama torço, e uma guia azul e branca. Ele tentou, e ouso dizer que conseguiu acompanhar cada ponto, batendo palma e cantando timidamente, Kerol que já o tinha visto, continuou dançando, e fazendo sua parte na roda, observando seu dedicado namorado acompanhar tudo.
A noite foi passando e Benardo perdeu a cor quando viu que já era onze meia da noite, ele deu uma ultima olhada na namorada, e saiu do terreiro, correu que nem louco para casa, a luz da sala ainda estava acesa, entrou devagar quase sem chamar atenção, coitado, quase se mijou quando viu o pai em sua frente.
— Onde você estava.
— Na praça com uns amigos da escola.
— Não quero você na rua até tarde, Bernardo são quase meia noite quer me mata de preocupação? E já disse para você parar de andar com esses seus amigos, eles vão te tirar do caminho de Deus.
— Ninguém vai me tirar do caminho de Deus pai, vou dormir tá?!