DOIS

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A segunda vez que eu o vi foi naquela mesma saleta

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A segunda vez que eu o vi foi naquela mesma saleta. Chovia lá fora. Mamãe tinha ido viajar e eu continuava sem notícia de papai. O castelo estava em silêncio absoluto. Parecia não haver mais ninguém no lugar além de mim e ele.

Eu me recusava a encará-lo. Nas últimas semanas, seu rosto dominara meus pensamentos. Seu rosto, seus olhos, nariz, boca... e seu peito com pintas e sardas, eu percebi mais tarde.

O que ele faria comigo hoje? Esse tipo de tratamento era novo para mim. Talvez ele estivesse aqui para consertar meu corpo e alma. Seus comprimidos fizeram efeito ao longo do tempo. Eram de dois tipos. Um rosa, como aquele que ele tinha me dado noutro dia, que me ajudara a dormir como nenhum outro remédio tinha feito e um verde, que ajudou com minha cabeça. É, agora eu conseguia me concentrar mais nas coisas que eu queria. Não ficava mais tanto tempo perdida por ai.

— É noite de ano novo.

Pulei em meu assento, olhando para ele. Suas mãos estavam entrelaçadas diante o seu rosto, seus olhos azuis profundos olhando para mim. Ele estava inclinado na cadeira chique do consultório, os óculos descansando encima da mesa. O médico parecia sempre tão relaxado. Ninguém nunca ficou assim na minha presença antes. Mamãe dizia que eu aborrecia as pessoas.

— Você sabe, quando a Terra faz uma volta completa – ele sorriu, como se estivesse rindo de uma ótima piada – As pessoas costumam comemorar esse tipo de coisa.

Apertei a saia do meu vestido.

— Você já comemorou isso antes?

Permaneci quieta.

— Sabe quantos anos tem?

Umedeci os lábios. Enfim aquele tom zombeiro veio. Era assim que os outros médicos me tratavam. Como uma invalida. Uma retardada. Papai disse que eu era.

— Vinte e dois.

O médico balançou a cabeça, concordando exasperadamente.

— Como é a sua rotina?

Abaixei os olhos. Não era assim que as consultas eram procedidas. Os profissionais vinham até mim e eu tinha que ficar calada enquanto eles só... a mesma coisa. As vezes era caótico, desequilibrado. Eu estava deitada na cama, numa poltrona, no chão, no teto. Mas nunca lá fora, era proibido. Não importava o lugar. Nem a hora. Se era de dia, de noite, madrugada... Às vezes eles viam quando eu estava andando. É, encostada na parede. Pelo menos eles faziam a volta em mim. As empregadas saiam, só saiam. Mamãe era outro caso. Quando ela chegava com o cavalo...

— O que você mais gosta de fazer?

Minha boca estava aberta. Eu estava falando alguma coisa. Será que eu tinha dito tudo em voz alta sem me tocar? Balancei a cabeça em negativa.

— Angelina. Você me falou seu nome antes. Por que não diz nada agora? Por acaso o gato comeu a sua língua?

Eu engoli em seco. Falar? Isso não me soava nada bem. Não me pediam para falar. Eu estava acostumada a seguir o papel de telespectadora. Nada de falar sem permissão. Porém, ele era o médico e queria que eu falasse. Sim, certamente papai o enviara. Ele iria me ajudar a ficar melhor.

𝐍𝐨𝐢𝐭𝐞 𝐄𝐬𝐭𝐫𝐞𝐥𝐚𝐝𝐚 - 𝐋𝐢𝐯𝐫𝐨 𝐔𝐦Onde histórias criam vida. Descubra agora