Uma nova calidez e a profecia

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    Esganiçado, era o nome. Um som carregado, desagradável e esganiçado ecoava, tão alto, que ousava atravessar as paredes. As quais impediam que o restante da casa ouvisse tamanho berro. Algumas horas antes de tal situação, a mesma em que a alma de Dylan Blackwell se despedaçara em cólera e repulsa, o homem encontrava-se na cozinha. Repleta de xícaras caras, acompanhadas dos mais requintados bules, o cômodo era iluminado pelo brilho do sol que, naquele dia, fez questão de aclarar a residência com labaredas esbranquiçadas.
    Era um dia comum, por assim dizer, mas que logo seria completamente abafado pelo horror e sanha presente no sangue, o gélido sangue, de Blackwell.

     — Penny!! — Gritara, após ter repetido o nome da moça pela quarta vez. — Santo deus! Você está surda!?

    — Abaixe o tom Dylan... — A mulher, surgindo da escuridão, das trevas enigmáticas onde o homem se encontrava, lançou-lhe um olhar sagaz. — ... eu ouvi você chamando.

    — Ora, então por que não me respondeu?

    — Aprenda. Não terás tudo na hora que quer sempre. — Passara reto por sua silhueta. — A propósito, pra que existem essas janelas se você insiste em deixar tudo escuro?

     Os olhos, em instinto, contraíram-se ao abrir das grossas cortinas. Com o sol de verão, veio a cólera. Ao menos dentro da alma de Blackwell funcionava assim. Porém, o escárnio que passara a sentir da própria mulher, levando em conta o fato dela ser a única que desobedecia suas exigências, estava começando a se tornar algo doentio. Extremamente doentio.

    — Dylan, não me leve a mal, mas... — Prosseguia a mulher — Não acha que está sendo muito rígido com a Olívia?

    — Não. — A entonação era a mais fria possível.

    — Eu só acho que...

    — Você não tem que achar nada! — Exaltou-se o homem — Enquanto essa menina continuar falando o que quer nas MINHAS entrevistas, continuarei sendo duro com ela.

   — Mas Dylan, é uma criança de quatro anos! Já é bastante precoce da parte dela ser tão desinibida com essa idade, mas precisar decorar textos para as entrevistas é exagero! — Penny passara a gritar, quase lacrimejando pela imagem que possuía do marido repreendendo a filha, tão inteligente e espontânea.

    — Ela é igual a você. — Viu um sorriso formar-se entre os lábios da mulher. Porém, logo fez questão de desfazê-los. — E é isso que me enfurece.

    Subira a escadaria, com passos tão raivosos que reverberavam o eco dos sapatos de couro. Acostumado à ser obedecido, desde jovem, presenciar uma mulher tendo opinião própria deixava-o no maior dos estados de fúria. Mal virou-se para trás, quando batera a porta do quarto escuro. O mesmo cômodo onde adquiria a concentração necessária para escrever suas obras. Porém, ali, não pretendia escrever livro algum.
    Com a força do ódio percorrendo sua corrente sanguínea, tão sublime quanto o fogo que refletia em seus olhos, dera um grito. Um único e carregado grito, camuflado pelas paredes grosseiras do quarto sombrio.

  E sim, agora fazendo total sentido, esganiçado era o nome.

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  Voltando aos dias atuais:

     A xícara de café esfriara. E, convenhamos, tal bebida quando fria é praticamente insuportável. Porém, mesmo assim, Lawliet ainda dava goles, consistentes e cheios, no café extremamente adocicado. Passara a madrugada ali, acocorado no límpido porcelanato do chão gélido, com o computador refletindo uma luz estridente contra seus olhos. Não poderia descansar, não era capaz disso. Dylan Blackwell, o maldito assassino, cínico e mentiroso, o havia proibido de adentrar em sua casa.
     O medo aparente que o homem possuía era explícito. Se, ao acaso, Lawliet descobrisse o tal quarto secreto, a ruína do assassino de Cambridge já estaria traçada. E sim, isso era o que Dylan mais temia.

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