Alguns dias se passaram e Vándor nunca imaginou que encontraria um livro tão difícil de ler como o que o velho viajante lhe dera como pagamento por seu trabalho. Ele mal conseguiu ler duas paginas no primeiro dia, e mesmo sabendo que não era um livro comum e sim paginas de um grimório, não sabia que poderia ter tanta dificuldade.
Dessa forma, ele decidiu que iria entender tudo o que aquelas páginas queriam dizer e usava o dinheiro que ganhava na forja com seu pai para comprar mais livros e dicionários a fim de enriquecer seu conhecimento. É claro o garoto não ganhava suficiente para comprar enciclopédias gigantes, como sonhava ter, mas era o suficiente para comprar livros menores, ou apêndices de livros, que na falta de algo melhor, o serviria bem.
Fredek por outro lado não gostava nada dessa ideia. Na cabeça dele o garoto deveria guardar o dinheiro para o futuro enquanto Ilka não via problemas. "Deixa o garoto. Estudar é bom pra ele. O menino gosta." Dizia ela sempre que seu marido vinha com esse papo. "Além disso não atrapalha o trabalho. Você mesmo disse que ele parecia mais disposto a trabalhar desde que aquele velho estranho veio aqui."
E era verdade. Vándor nunca teve muitos amigos, pois desde cedo trabalhava na forja com seu pai. Mesmo os poucos que tinham sentiam que o garoto estava mais distante, saindo cada vez mais menos para passear ou brincar com eles. Nero, um camponês mais jovem, porém com aparência mais velha que o garoto era o amigo mais próximo que Vándor tinha e mesmo ele estava achando estranho a ausência do jovem ferreiro.
- Qual é Vándor. Você não pode ficar o dia todo preso dentro de casa lendo. – Dizia o garoto de pele morena e cabelos pretos. – Tem tanta vida lá fora.
Mas mesmo assim o menino preferia ler o livro do viajante.
- Vándor, meu querido. Gostaria de conversar com você. – Disse Ilka, numa manhã em que seu pai lhe dera folga do serviço.
- Agora não mãe. Estou bastante ocupado. – Disse o garoto sem sequer levantar a cabeça. Seus olhos estavam fixos nos livros a sua frente.
- Agora sim! – Disse ela dando um tapa de mão aberta nas paginas velhas e amareladas. – Eu sou sua mãe garoto.
- Sim senhora. – Vándor abaixou a cabeça em vergonha, fechou os livros e os colocou de canto.
- Estou preocupado com você, meu bem. Passa o dia todo dentro do quarto, lendo. Bem sabe que eu não me importo de você ser apaixonado pela leitura, diferente de seu pai. Eu mesma incentivei isso em você. Mas está demais. Vándor, você não come direito, não dorme direito e nem sai de casa. Olhe para você! Está branco, quase pálido. Além de parecer irritado e distante o tempo todo.- Me desculpe, mãe. É que eu estou preso numa parte que não consigo entender direito. "O corpo é um organismo vivo que tem vontade própria. Como uma armadura que protege os órgãos. Mas a massa encefálica é seu mestre, e seu desejo sobrepõe o do corpo. – Disse visivelmente cansado e desanimado.
- Quando temos um problema, e estamos presos, precisamos sair e espairecer. Ver as coisas de outro ponto de vista, com novas experiências vividas. É como um cavalo de antolho. Se não tirar, ele não verá o que está ao seu arredor.
A mulher se levantou, estendeu a mão para seu primogênito, e carinhosamente o puxou para fora de seu quartel general. O sol estava encoberto por algumas nuvens brancas, e o dia estava fresco, com bastante vento. Ela respirou fundo, esperou que o garoto fizesse o mesmo e então disse a ele:
- Viva um pouco, Vándor. Só os livros não vão te levar a nada. Você ainda é uma criança que está crescendo para o mundo.
- Mãe. Eu tenho quinze anos.
- Vai brincar agora antes que eu te dê uma surra como um adulto!O garoto sabia que sua mãe poderia ser tenra e suave, mas também brava como mil trovões no céu. Então ele começou a caminhar em direção a casa de Nero, tentando esquecer o que aqueles livros e paginas velhas tentavam dizer.
- Olha só quem apareceu. Achei que tinha virado um livro numa estante. – Disse o garoto se apoiando na enxada. De sua testa escorria gotas de suor.
- Tem um tempo livre? Faz tempo que nós não damos uma volta.
- Acho que sim. Não deveria, já que cansei de chama-lo para sair. Mas como eu sou um cara bonzinho, vou lhe dar a honra de caminhar ao meu lado.Os dois amigos foram em direção a relva, atrás de algumas arvores frutíferas para passar o tempo. O camponês dizia que queria se tornar um cavaleiro quando fosse homem-feito. E que quando tivesse idade, iria se alistar para virar um soldado.
- Eu sei que você é forte, Nero. Mas soldado não combina com você.
- Diz isso por que aquele soldado naquela vez te humilhou na frente da Ágda. Eu sei que você tinha interesse nela.
- Nada haver isso aí. – Disse o garoto corando.
- Ahhh Vándor, garanhão!E até a hora do almoço os dois continuaram andando e parando as vezes para colher frutas ou tomar um ar, conversando sobre coisas banais sem sentido, porém fizeram muito bem para o jovem ferreiro, que conseguiu se desligar de seus pensamentos e finalmente relaxar. Contudo, os dois amigos não perceberam que estavam longe demais até trombarem com um elfo. É claro que as florestas onde essa raça tão milenar costuma viver não é tão próximo das cidades dos homens, mas já estavam bem longe da vila.
O elfo em questão era alto, provavelmente adulto. Difícil para os garotos saberem a ideia, pois poderia tanto ter cinquenta quanto trezentos anos. Mas parecia ser jovem, com os cabelos pratas como a lua e longos. Usava um manto preto, mas dava para ver uma bolsa, que tilintava som de livro, quando o elfo se mexia. Seu semblante era de algo muito bravo.
- Olhe por onde anda, sua mula. – Disse o Elfo.
- Mula é você que não olha para frente.
- Pare de relinchar e saia daqui. – Antes que eu bata em vocês dois.
- Como se você conseguisse. – Vándor estava preocupadíssimo com a audácia de seu amigo, mas não conseguiu impedi-lo de falar impropérios. Nesse instante, Nero pegou um pedaço de galho seco no chão e se colocou em posição, como se embainhasse uma espada.
- Acha mesmo que pode me desafiar, criança? Deveria usar mais seu cérebro do que seus músculos.
- Meu corpo é quem manda no meu cérebro, orelhas pontudas.
- É o que você acha. – Então uma lufada de vento passou balançando a grama e as roupas dos três. O manto do elfo subiu com o vento dando Vándor a oportunidade de ver o grimório preso a lateral da cintura do elfo misterioso. Mas mal teve tempo de pensar em alguma coisa, pois o mesmo, com sua mão projetada para frente fez com que saísse uma pressão indescritível que acertou ambos amigos como um sopro de vento forte.Nero, de repente, soltou seu galho e caiu no chão completamente desacordado. O ferreiro tinha a mais absoluta certeza que seu amigo estava morto. O elfo, por outro lado, estava com uma expressão de surpresa e até quem sabe admiração.
- Você tem algo de especial, garoto. – Disse o elfo, abaixando seu braço. – Qual é o seu nome?
- Vo...vo...você matou ele? – O terror percorria todo o corpo do jovem humano. Suas pernas pareciam geleia. Ele nem sabia como conseguia ficar de pé.
- Claro que não. Ele só está dormindo.
- Seu... você... como... – Vándor tentava usar sua racionalidade para entender o que aconteceu. Ele sabia que magia existia, mas nunca conheceu ninguém que pudesse usa-la e por isso acreditava que se passava mais de uma lenda do que verdade. E que na verdade, magia era outra coisa que, algo mais sutil.
- Aparentemente usa sua massa encefálica primeiro, diferente de seu amigo. – Disse ele com um sorriso sarcástico no rosto. – Há potencial em você, jovem...
- Vándor, senhor.
- Siga seu caminho, jovem Vándor. E tente colocar algum conhecimento na cabeça dura do seu amigo. – Então o elfo seguiu seu caminho, ignorando os olhares do garoto."Massa encefálica?" Pensou Vándor. "Mas é tão obvio!" Enquanto arrastava seu amigo desacordado de volta para casa. "Obrigado, senhor elfo".
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Masmorras & Dragões
FantasíaTodo herói tem sua origem. Num mundo onde magia é algo real, pessoas comuns tentam viver suas vidas de maneira pacifica e tranquila. Vándor, por outro lado, só queria saber de conhecer o mundo e todos os seus segredos, visitando os cantos mais remo...