O garoto estava aterrorizado e ao mesmo tempo encantado. Ele já havia trabalhado na forja, mas nunca sem a supervisão de seu pai. Fredek virou as costas e voltou para dentro, afim de consertar o tonel de água.
O jovem pegou a espada e analisou ela minuciosamente, como um joalheiro que observa uma joia atentamente para saber sua veracidade. O velho, apenas observou Vándor e sentou-se num tronco de madeira que habitualmente era usado como banco. A forja era coberta por sapê e barro, para evitar o sol e a chuva. A fornalha, também de barro, tinha uma chaminé que saia por cima do telhado. Ao lado, uma mesa longa com várias ferramentas, como martelo, marreta, serrote, alicate entre outros. A Bigorna de ferro preto ficava próxima a bacia de água que deveria sempre ser mantida cheia, posicionada de forma que fosse possível mergulhar o material, pegar uma ferramenta e bate-lo na bigorna de forma rápida.
O viajante pegou um livro, que carregava consigo na cintura e pôs-se a folhear as paginas já amareladas. A capa, era dura e verde, com detalhes em dourado, e parecia ser bastante grosso. O jovem ferreiro já havia vários livros, mas nunca um tão grosso e lindo como aquele. Se perdeu observando o objeto por alguns segundos, até que o dono o olhou de volta. O garoto sabia que tinha um trabalho a fazer, então focou-se.
Primeiro ele limpou a espada e a secou bem, para que pudesse afia-la. Percebeu que havia algumas partes dentadas principalmente no meio da lâmina, e imaginou que o velho viajante já tinha travado batalhas gloriosas com aquela arma. Mas preferiu não perguntar, para não perder a concentração, mesmo de vez em quando olhando de rabo de olho para o livro do viajante.
Agora com um pouco mais de calma, o garoto observou melhor aquela figura estranha. Um homem, de muita idade, com o rosto cheio de rugas, a pele seca. Os cabelos já bastantes grisalhos, mas parecia ter todos os dentes. Sua vestimenta também era simples e velha, mas observando com mais atenção parecia ser feita de seca, com costura fina muito bem feita. O capuz não fazia parte do manto original, e foi costurado de forma mais grosseira depois. Vándor também percebeu que o velho tinha mãos suaves e sem calos, indicado que provavelmente ele nunca havia trabalhado no campo ou na forja.
A pedra de amolar ficava à esquerda da fornalha. Basicamente uma roda de pedra fixa num caixote de madeira. A manivela, do lado direita da roda havia dado lugar a um pedal, para que quem fosse usar, pudesse gira-la com o pé e ter aas mãos livres. De pé, Vándor começou a girar a pedra, pressionando o pedal de forma ritmada e constante. Apoiou a lâmina na madeira e lentamente foi aproximando. Assim que a espada encostou na pedra, faíscas começaram a sair, então o garoto foi passando o fio de um lado para o outro, mantendo a inclinação constante, para que não estragasse o material.
As faíscas e o barulho de pedra raspando no metal era algo que o garoto já estava acostumado, e mesmo apreensivo, fazia aquilo quase que de forma automática.
- Sabe ler, jovem ferreiro? – Perguntou o viajante com seu tom calmo e tranquilo. A sua barba tampava parte de sua boca, dando um aspecto de mais velho do que realmente era.
- Um pouco, senhor. – Respondeu ele.
- Imaginei, pelo interesse que você demonstra no meu livro.
- Desculpe, senhor.
- Tudo bem garoto. – Disse ele num tom amigável, Vándor nem precisou olhar para saber que ele estava sorrindo. – O dom da leitura é algo raro por essas bandas. Principalmente entre ferreiros.
- Minha mãe me ensinou o básico, senhor.
- Sua mãe? Olha que coisa magnifica. Você tem sorte garoto.
- Obrigado, senhor.
- Pare de me chamar de senhor. Me faz me sentir velho.
- Mas você é velho. – O viajante gargalhou.Vándor então parou de girar a pedra, observou a lâmina e o fio, limpo-a com um pano velho e então repetiu o processo do outro lado. Hefeyd o observava com um sorriso no rosto, percebia que o rapaz tinha bastante potencial. Quando o ferreiro terminou entregou-lhe a espada.
- Aqui está, senhor. Novinha em folha.
- Muito bom rapaz. Posso lhe pedir mais uma coisa? – Ele devolveu a espada para Vándor. – Teste o fio dela um pouco, quero ver se está bem afiada mesmo.- Mas senhor. Eu não se usar uma espada.
- Ora! Um ferreiro precisa saber manejar uma espada. Como ele pode saber afia-la e não usa-la? – O velho pegou sua bengala e levantou com dificuldade. – Venha aqui. – Ele caminhou até uma área aberta, pegou um pedaço de madeira qualquer e se posicionou de frente ao garoto. – Agora segure a espada com as duas mãos, firme, e tente cortar esse pedaço de madeira.Vándor tremia com a arma na mão. Ele nunca havia segurado uma, e agora estava usando-a. Era como um sonho que se realizava. Fredek, por outro lado, observava tudo de longe. Era um homem calejado pela vida e sabia que palavras doces sempre encantam os mais jovens. Não confiava em viajantes. Para ele, um homem tem que ter raízes, como uma arvore, não pode simplesmente sair andando como um esquilo sem rumo.
- Por que o deixou cuidar da espada? – Perguntou Ilka enquanto estendia as roupas para secar.
- É aniversário dele. Quis dar esse pequeno presente.
- Você se faz de durão, mas é mole como a barriga de um porco. – Disse ela rindo dele.Vándor tentou dar seu primeiro corte com a espada, um corte horizontalmente, que na cabeça dele partiria o pedaço de pau em dois. Ele então ouviu o ponc da espada batendo na madeira sem causar corte algum. Primeiro ele pensou que espada não estivesse afiada o suficiente.
- Muito ruim garoto. Não é força, é jeito. Velocidade, não brutalidade. – Disse o velho. Então, colocou o pedaço de madeira em pé, encostado na cerca de madeira que rodeava a casas e o terreno, pegou a espada da mão do garoto.
- Observe a minha postura. Pense que a espada é uma extensão do seu corpo, como um braço mais longo. Não é sua mão que estava controlado a espada, é a sua mente, assim como ela controla todo o resto.Então, o velho largou a bengala, ficou em posição de ataque, e desceu a lâmina diagonalmente em encontro com a madeira, que não gerou resistência nenhuma. Vándor mal viu a espada, apenas foi capaz de ouvir o barulho que ela fez antes de tocar a madeira. Ele estava tão encantando que mal conseguia responder. Só percebeu que sua boca estava aberta quando Hefeyd, com a ponta da espada, levantou seu queixo.
- Apesar de não saber manuseá-la, você sabe como consertar uma, jovem ferreiro. Meus parabéns. Quanto o preço do seu serviço?
- Preço? – O garoto não sabia cobrar pelo trabalho, seu pai quem fazia isso, ele no máximo recebia e contava o dinheiro. – Eu não sei... – Inocentemente ele disse
- Como não sabe? Você deve sempre saber quanto vale seu trabalho, seu esforço.
- Bem... então... cinco peças de cobre. – Disse ele. Esse valor seria o suficiente para comprar outro livro, a qual estava de olho.
- CINCO PEÇAS DE COBRE? – Primeiro Vándor achou que o homem estava irritado, e que o valor era muito alto. – Garoto, o que você quer com cinco peças de cobre? Não compra nem comida hoje em dia.
- Eu queria comprar um livro. – Disse ele baixinho e envergonhado. O homem gargalhou de novo.
- Muito vem, senhor jovem ferreiro. – O velho guardou sua espada na bainha que ficava a maior parte do tempo oculta pelo manto, pegou sua bengala e foi em direção a mesa. Vándor o seguiu. Então ele pegou algumas folhas de seu livro, enrolou-as em linha de ceda que tirou de dentro do seu manto e entregou para o garoto. – Já que você quer tanto ler meu grimório, entrego-lhe algumas paginas como forma de pagamento. Aqui não vai encontrar histórias de cavaleiros, nem criaturas imaginarias, mas sabedoria e poder. Não entregue para qualquer um, guarde como seu tesouro. Use com sabedoria.Vándor agradeceu e o velho saiu indo de onde veio, acenando para a casa do ferreiro, pois sabia o tempo todo que o pai do garoto estava o observando.
- A gente vai se ver de novo? – Gritou Vándor enquanto o homem de passos lentos ia em bora.
- Quem sabe? O destino é imprevisível. – Respondeu ele com um ultimo aceno.
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Masmorras & Dragões
FantasiTodo herói tem sua origem. Num mundo onde magia é algo real, pessoas comuns tentam viver suas vidas de maneira pacifica e tranquila. Vándor, por outro lado, só queria saber de conhecer o mundo e todos os seus segredos, visitando os cantos mais remo...