Antonella correu para atender a porta assim que a campainha tocou.
Eu continuei sentada no sofá, pernas cruzadas, olhar de tédio e aquele arrepio que me acompanhava desde que tinha saído da consulta com Fortuna, no dia anterior. Estava bem melhor da ressaca física, mas o caos ainda predominava em minha cabeça.
Meu Deus, quem era aquele cara?
Melhor: quem sou eu?
Assim que minha amiga abriu a porta, Nicolas deu um passo para dentro da sala, abraçando a irmã. Em seguida, Tomás fez o mesmo. Os dois estavam vestidos casualmente, com bermudas, camisas de manga e chinelos brancos. Era quase um uniforme que os dois compartilhavam quando andavam juntos pelo Rio de Janeiro, já que provavelmente Tomás tinha obrigado Nicolas a pegar uma praia ou ir tomar um açaí ruim em algum lugar, já que ele precisou trabalhar pela manhã para resolver um problema urgente.
Eu amo açaí, mas Tomás tinha perdido o meu respeito quando começou a comer aquilo com leite em pó e mousse de maracujá. Estava errado e eu não aceitava.
Suspirei ao me levantar. Como Tomás tinha faltado à nossa primeira praia do ano, combinamos um jantar no domingo à noite, com direito a uma taça de vinho para cada um. Consideraria como uma preparação para a próxima virada de ano.
Ele foi o primeiro a me abraçar, ao passar na frente de Nicolas, que apenas revirou os olhos. Clássico da pessoa mais implicante que eu conhecia na vida.
— Feliz Ano-Novo, Mai. Que essa palhaçada de boas energias esteja com você — seus braços envolveram meu corpo e eu sorri com vontade. — Sabia que dançar em volta de uma árvore dá sorte?
Tentei me desvencilhar do abraço quando ouvi aquilo, mas ele me apertou ainda mais, rindo. Quando me soltei apenas o olhei feio, já que não valia a pena discutir.
Para que você saiba desde o começo, Tomás é meio babaca. Eu confio 100% nele para qualquer coisa, somos amigos de infância, mas ele é tão implicante que pode ser encaixado periodicamente na categoria de babaca ou filho da puta.
Mal tive tempo de devolver a provocação, pois fui interrompida pelo abraço de Nicolas. Incrivelmente mesmo com a cabeça apoiada em seu peito eu sabia que ele estava com aquele sorriso irresistível.
Senti um beijo em minha cabeça e foi natural sorrir junto.
— Como você está? — ele perguntou ao me soltar. A praia do dia anterior tinha dado efeito, já que sua pele estava mais bronzeada que o normal. Os olhos escuros pareciam cansados, talvez ainda se recuperando da ressaca sinistra do dia anterior. — Ainda tenho uma leve dor de barriga.
Fiz uma careta quando ele começou a rir. A barba maior que o normal ainda estava ali e eu julguei como interessante.
— Estou bem. Só não estou pronta para outra.
Ele concordou com um gesto e então vi que em um de suas mãos estava uma garrafa de vinho tinto. Tempranillo, minha uva preferida.
— Uma taça e só — e piscou para mim antes de ir em direção a cozinha, onde Antonella e Tomás discutiam por algo.
Tinha tudo para ser uma noite agradável, como sempre.
Já sentados à mesa com a promessa de tomar apenas uma garrafa de vinho, todos conversavam sobre os últimos dias e os acontecimentos mais recentes. Minha cabeça ainda estava a mil por conta da ruína pessoal que estava vivendo e é claro que isso não passaria despercebido por muito tempo.
Eu tentava ao máximo me integrar nos assuntos. Tomás reclamava dos últimos casos que tinha pegado para resolver onde trabalha, no Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro (também conhecido como o fatídico "Pequenas Causas"). Ele representava uma grande empresa de varejo, então sempre dava merda. Como advogado não era bem o que ele gostaria de estar fazendo, mas, segundo ele, é o que pagava — e muito bem — as contas.
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Acidentalmente, Você [DEGUSTAÇÃO]
RomanceO mantra de Maitê sempre foi viver com controle e sem excessos. Pagava as contas antes do dia do vencimento, não se atrasava para compromissos importantes e sempre tinha um dinheiro de reserva caso algo desse errado naquele mês. Saía, tinha amigos e...