— Eu me sinto uma fracassada.
Minha voz saiu abafada em meio a tantos e tantos pedaços de tecidos diferentes. Estava deitada em minha cama, com quase quinze vestidos jogados em cima de mim. Nunca tinha me sentido tão indisposta em um dia trinta e um de dezembro.
Antonella retirou algumas peças da montanha que me cobria.
— Você não é uma fracassada — quando ela tirou uma peça florida da minha cara, pude ver seus olhos revirando. — Seu chefe é um otário.
Bufei alto. Ainda me sentia completamente frustrada. Não costumava criar tantas expectativas com algo que não era certo, mas sobre a promoção eu tinha certeza. Raio de Sol tinha certeza! Até mesmo o horóscopo que eu não acreditava tinha certeza... Essa pedra no caminho (a recém formada ou Ricardo ou qualquer outra coisa) só podia ser um teste do universo.
Continuei sem me mexer, esperava que os vestidos virassem um bolo e me prendessem ali pelo resto do próximo ano.
— Como que vou nessa festa depois da vergonha que eu passei ontem?
Antô sentou na ponta da cama, provavelmente o único lugar disponível em meio aquela bagunça. Eu era uma pessoa que adorava organizar coisas e nem mesmo toda a confusão para arrumar naquele quarto me animava.
Ela suspirou alto, como se estivesse medindo suas próximas palavras.
— Simples — tentei olhar minha amiga com o canto dos olhos, mas só vi um monte de frufru verde. Onde eu estava com a cabeça quando comprei aquilo? Era mais um fracasso pessoal. — Você vai ser a mulher mais linda, poderosa e simpática daquele lugar. Como você sempre é.
Ri amargo — Sei que temos um acordo de sempre incentivar a outra, mas agora você foi longe demais.
Antonella tentou me dar um tapa, mas tudo o que conseguiu foi acertar a montanha de vestidos próximo ao meu braço direito.
— Desde quando você tem a auto estima baixa?
Dei de ombros — Desde que uma menina quase cinco anos mais nova foi escolhida no meu lugar.
Minha amiga bufou — Levanta daí, Maitê. Parece um enterro de roupas erradas.
— Me deixe morrer sufocada nesse frufru ridículo que comprei semana passada.
Senti várias partes do meu corpo ficando descobertas, e então Antonella estava jogando praticamente tudo no chão.
— Levanta! — ela ordenou, provavelmente já puta com o meu drama. — Vamos sair e comprar o tal vestido violeta. Você vai estar tão gata hoje que Nicolas e Bruninho vão ficar sem palavras.
Revirei os olhos antes de me levantar.
— Para de ficar me empurrando para o seu irmão.
Ela disse baixo — Como se eu precisasse.
— Ei, eu ouvi isso — me levantei da cama, finalmente. — Como você sugeriu sair para comprar o vestido no último dia do ano e com esse meu estado de humor, espero que não reclame e ainda pague o meu almoço naquele lugar que só vende saladas caras.
Antonella concordou de pagar o meu almoço em meio à desaforos.
Por ser o último dia do ano, andamos apenas pelo bairro em que morávamos, e que ficava na zona norte do Rio de Janeiro: Tijuca. Era um bom lugar para achar apartamentos mais baratos e maiores, sem precisar fazer mil reformas para ficar habitável. Não era um bairro turístico, então caminhamos normalmente pelas ruas e lojas, que iam se manter abertas até às 15h.
No início da tarde já tínhamos almoçado uma salada ridiculamente cara e conseguido um vestido na cor do ano. Não tinha sido meu preferido em meio às outras cores disponíveis, mas era um estilo que eu usava, de um ombro só, e minha amiga tinha recitado vários xingamentos para dizer que eu era uma mulher e tanto.
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Acidentalmente, Você [DEGUSTAÇÃO]
Roman d'amourO mantra de Maitê sempre foi viver com controle e sem excessos. Pagava as contas antes do dia do vencimento, não se atrasava para compromissos importantes e sempre tinha um dinheiro de reserva caso algo desse errado naquele mês. Saía, tinha amigos e...