— Vamos recapitular mais uma vez: do que você se lembra?
Depois da minha confissão e de um belo almoço com muito refrigerante, água tônica e comidas gordurosas (de ressaca não tinha como fugir), finalmente estávamos em casa. De banho tomado e prontas para descansar.
Bom, pelo menos 'descansar' era o meu objetivo, diferente de minha amiga, que insistia que eu precisava saber o quanto antes quem era o cara misterioso que eu tinha ficado no Ano-Novo. Eu também queria saber, de verdade, mas uma sensação esquisita tomava o meu corpo toda hora que eu tentava me lembrar de mais alguma coisa daquela parte da noite... Parecia que era melhor deixar de lado e acreditar que tinha sido invenção da minha mente alcoolizada.
Afinal, quem consegue transar super bêbado? Eu sei bem que essas coisas não funcionam assim...
Antonella mantinha um caderninho em seu colo e uma caneta roxa espalhafatosa demais na mão esquerda. Seus olhos cor de mel estavam levemente comprimidos, como se tentasse ler a minha expressão. Suspirei sem dó. Eu não me lembrava de quase nada daquela noite, mas tinha certeza, bem lá no fundo, que tinha transado com alguém na escada de incêndio do hotel da festa.
Que ressaca moral, Deus me livre.
— Antô, eu já disse! — minha voz saiu frustrada. — Lembro de beijar alguém no meio da festa e depois só lembro de estar gemendo na escada de incêndio do hotel — passei as mãos pelo cabelo. — E se tiver câmeras? Eu vou ser demitida!
— Ninguém vai ser demitida — ela revirou os olhos, logo batendo no caderno com o lápis super colorido. — Vamos pensar em detalhes. Fecha os olhos — fiz o que ela pediu de imediato. — Vou dizer coisas que lembro da festa e você me fala a primeira palavra que vem à sua cabeça.
— Isso é ridículo.
— Sim, é tão ridículo quanto transar com alguém e não se lembrar.
Bufei ainda de olhos fechados.
— Anda logo.
Antonella demorou alguns segundos para falar, como se estivesse pensando. Talvez não se lembrasse de grandes coisas na festa para ressaltar agora.
— Vamos lá — e fez uma pausa dramática. — Ano-Novo.
— Rituais, festa! — respondi sem nem pensar.
— Vestido de festa.
— Eu estava gata naquilo — minha amiga me bateu, talvez com o caderno. — Está bem! Minha resposta vai ser: branco.
— Luzes...
— Aquele treco que estava piscando e nos fazendo andar em câmera lenta... Como que é o nome mesmo?
Antonella suspirou — Você tem que responder com palavras, Maitê. Nunca viu aquele programa cafona na TV?
— Desculpe. Continue.
— Se esforça, você que transou com alguém e não se lembra. Espumante.
— Taça.
— Música.
— Dança — abri os olhos. — E se isso foi só um sonho? É o mais provável.
Antonella me observou enquanto batia a caneta no caderno em um ritmo esquisito.
— Tipo um sonho lúcido?
Dei de ombros — Não acha que é mais real? Do que eu, Maitê, aos vinte oito, ficando com uma pessoa na noite mais importante do ano?
Ela suspirou — Você tem um bom ponto.
— Eu sempre tenho, amiga.
— Mas vamos continuar — ela fez um gesto que julguei como dramático. — Se tiver sido um sonho, ótimo. Se não, pelo menos você já se lembra de algo.
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Acidentalmente, Você [DEGUSTAÇÃO]
RomanceO mantra de Maitê sempre foi viver com controle e sem excessos. Pagava as contas antes do dia do vencimento, não se atrasava para compromissos importantes e sempre tinha um dinheiro de reserva caso algo desse errado naquele mês. Saía, tinha amigos e...