CAPÍTULO 02 - Água de abacaxi e pequenos surtos

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O choque em meu corpo e mente ainda se faziam presentes.

Mas depois de alguns segundos sem reação, consegui sorrir. O problema foi que sorri muito e logo estava gargalhando, como se Ricardo e Érica, a menina novinha que tinha roubado o meu lugar sem nem saber (eu acho), tivessem contado uma super piada.

Realmente era o começo do fundo do poço.

Talvez aquilo fosse uma pegadinha, não é? Uma nova técnica ridícula para saber se você está preparado para trabalhar sob pressão. Era o teste perfeito! Eu perdendo a promoção que tanto lutei para uma garota recém formada que tinha acabado de chegar e já estava sentada na janela do ônibus.

— Maitê, está tudo bem? — Ricardo perguntou depois que engasguei com o meu próprio riso incrédulo.

Precisava sair dali antes que algumas verdades saíssem de minha boca.

— Claro que está, por que não estaria? — a tal Érica me observava como se eu fosse maluca. — Érica, seja bem vinda — disse rápido e consegui correr para fora da sala, ainda desconcertada.

Saulo, meu colega de trabalho e praticamente dupla em todos os jobs, me esperava em nossa mesa compartilhada. Seu sorriso mal continha a empolgação. Ele tinha em seus cabelos crespos um arco cheio de purpurina com os dizeres "minha chefe é demais". Seria uma cena bem engraçada se eu estivesse com bom humor. O cara era bem alto, pele bem morena e os cabelos curtos. Seus olhos eram tão escuros quanto a camisa que vestia hoje. Parecia sempre um modelo de passarela da São Paulo Fashion Week.

Nada que combinasse com uma tiara verde neon.

— Já podemos sair para comemorar?

Além do acessório de cabelo, Saulo segurava dois copos transparentes com água, gelo e uma fatia de abacaxi dentro.

Olhei para ele, atônita — Que porra é essa?

— Água saborizada — ele colocou o copo em minhas mãos como se fosse óbvio. — Quem é você para estar xingando no meio do expediente? — e então relaxou, soltando uma risada irônica. — Ser chefe é outro nível, né?

Analisei o copo, ignorando suas últimas palavras. Talvez pelo ainda choque no meu corpo.

— Quinta-feira realmente é a nova sexta? — minha voz saiu sem emoção.

— Claro que é — ele riu. — É simbólico, Mai, eu queria mesmo era estourar um champanhe e subir nessa mesa para mandar algumas pessoas irem a merda. Aconteceu? Não precisa fazer suspense comigo, sabe que odeio.

Quando ia começar a falar, Ricardo se postou ao nosso lado, com Érica, a recém formada.

— Saulo, quero que conheça a nova supervisora, Érica.

Meu amigo arregalou os olhos, parecendo tão surpreso quanto eu ainda me mantinha. Sorriu forçado, retirando às pressas o arco da sua cabeça ao perceber a grande merda que estava acontecendo ali.

Quando percebi já estava falando enquanto deveria ficar quieta.

— A nova supervisora, legal, né, Saulo? — eu tentava controlar a minha incredulidade, sem sucesso. — Chefe nova. Érica!! Ah, meu Deus, bem vinda! — entreguei a água saborizada para ela sem nem pensar duas vezes. — Parabéns!! Fizemos para você, está ótima.

Érica pegou o copo, confusa — Obrigada, mas...

— Ah, não! Não, não! Não! Você é alérgica a abacaxi? — puxei o copo de suas mãos com força, derramando todo o líquido em minha camisa branca de linho. Saulo pôs as mãos na boca, chocado. — Está tudo bem, não espirrou em você, não é?

Acidentalmente, Você [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora