A risada dela machucou, lógico, mas já estou acostumado. Não sei por que fiz uma pergunta tão idiota. Eu sei, claro, é porque eu sou desajeitado para caramba! Ainda mais perto da Hanna. Não que eu tenha ficado muitas vezes perto dela, mas agora posso ver que isso é um desastre.
Saber que ela acha que eu pareço feliz é... Estranho. No fundo eu sou, não há nada que me deixe infeliz, exceto lembrar do acidente e dos dias após o mesmo. Meses. Anos de recuperação. Há um "segredo" idiota que guardei e do qual ninguém sabe. Se eu o contasse para ela, isso nos aproximaria nessa véspera de Natal desastrosa?
Reparo que os olhos cor de chocolate dela continuam me encarando, agora com compaixão. Odeio esse tipo de olhar. É o mesmo que recebi após o acidente, de médicos, enfermeiros e até familiares.
Fecho a cara e me sinto subitamente arrependido de ter puxado assunto.
O barulho do vento arrepia meus braços. Através da janela é impossível ver a rua, que está toda branca. A neve cai com tanta força que não dá espaço para vermos a paisagem. Talvez nem conseguiremos sair daqui.
O pensamento me apavora, pois não gosto muito de ficar trancado. Mas estou com Hanna. Encaro-a com curiosidade. Poderia aproveitar e perguntar tudo o que eu sempre quis saber sobre ela! Sempre usou aquele shampoo de chocolate? Por que os cadernos dela tinham aquele cheiro doce e gostoso? Por que ela é líder de torcida e não um gênio do clube de cálculo?
Meu relógio marca 4 horas da tarde. Meus pais me disseram para voltar às 6 horas.
Pesquiso no Google sobre a nevasca e encontro notícias de acidentes e destruições. Há um apelo para que as pessoas fiquem em casa e acho isso cômico, pois nunca me senti tão em casa como perto dos livros.
Será que Hanna também gosta tanto de ler como eu? É por isso que está aqui? Mais perguntas.
De acordo com a previsão do tempo a nevasca terminará às 6h30min. Duas horas e meia. Eu, Hanna, um piano e inúmeros livros ao nosso redor. Poderia fazer uma piada sem graça sobre isso, mas não quero ser visto como um idiota por ela.
Respiro fundo, guardo o celular e tomo coragem antes de perguntar:
━Por que é líder de torcida?
Ela se ajeita na cadeira, coloca as pernas por cima da guarda e cruza os braços sobre o peito. De onde estou, consigo ver suas pernas longas e atléticas cobertas por uma meia-calça grossa... Hanna percebe para onde estou olhando e pigarreia, com os olhos semicerrados.
Para minha surpresa, ela responde à minha pergunta, mas sem me olhar. Em vez disso, encara o teto abobadado.
━Eu adoro dançar. Quando eu danço, eu esqueço de tudo. Mas sou líder de torcida porque eu preciso de uma bolsa de estudos para a faculdade.
Bolsa de estudos. Eu achei que ela fosse rica!
Hanna dá um sorrisinho triste e percebo que eu estou encarando-a boquiaberto.
━Não sou rica. Justin era rico. Ainda é, claro. Ele gostava de se exibir, me dando jóias, roupas e sapatos de marca, mas era algo que ele fazia mais para os amigos dele verem. Quando começamos a namorar percebi que eu poderia chegar a vários lugares com ele ao meu lado. Os pais dele fazem doações para faculdades todos os anos.
━Foi só por interesse então?
Odeio o sentimento que cresce no meu peito. Algo dentro de mim grita: você tem uma chance com ela, essa é a sua chance. Eu tento acalmar essa voz a todo custo, mas fui pego de surpresa com a confissão.
Hanna parece chateada e triste.
━Não, eu gostava dele, mas ele não gostava de mim. Os pais dele também não.
━Porque você não é rica?
━Porque eu sou mais inteligente do que ele, ela dá um sorriso irônico e me encara.
Poderia passar horas admirando o batom rosa de Hanna.
━Sério?! Pergunto, incrédulo, e ela assente.
━Machuca o ego dos homens saberem que suas namoradas são mais inteligentes do que eles.
Ela diz isso como um desafio, para me testar. Mas Hanna não conhece a minha mãe. Por isso, decido surpreendê-la:
━Apenas se o homem for um completo imbecil. Eu adoraria ter uma namorada mais inteligente do que eu, pediria para ela fazer minha lição de casa todos os dias.
Ela ri e põe a mão na testa. Reparo nas unhas pintadas de marrom, da mesma cor da pele dela. Seus dedos são delicados e longos, quase os de uma pianista... Olho para minhas mãos. Nossos dedos se encaixariam perfeitamente.
Quantos anos eu tenho, 12? Não deveria estar imaginando coisas bobas.
Hanna me olha de um jeito estranho, como se achasse algo divertido no meu rosto ou em mim. Geralmente é no meu rosto.
Ela senta-se direito na poltrona, com os pés embaixo nas coxas e fico surpreso com sua flexibilidade. Líder de torcida, claro. Hanna apoia o queixo nas mãos e me encara tão profundamente que preciso desviar o olhar e coçar minha nuca, sentindo-me desconfortável.
Sempre quis a atenção dela e, quando tenho, fico envergonhado. Droga. Ela diz:
━Vamos mudar de assunto. Você gosta do Natal?
Meu coração desacelera. Estava esperando uma pergunta mais profunda. Dou um sorriso de alívio e ela faz uma careta. Respondo:
━Sempre gostei, até...
━O acidente.
Ela lembra. Por um minuto fico contente, mas então me dou conta de que TODA a escola sabe sobre meu acidente. Obviamente ela lembra de ir à minha casa todos os dias me levar seus cadernos.
━O acidente, repito como um idiota.
━Deve ter sido difícil, foi bem no Natal.
━Eu...
Mordo os lábios antes de falar. Tento me concentrar no rosto dela. É a minha chance. É Natal. Mas chance de que, exatamente? De agir como um idiota?
Contrariando os gritos mentais que imploram para que eu pare de falar, murmuro, num tom misterioso:
━Eu tenho um segredo natalino.
Os olhos dela se arregalam e ela inclina-se ainda mais para a frente. Ainda estou decidindo se devo contar meu segredo ou inventar um. Mas o olhar dela me desarma. A proximidade também. O cheiro de chocolate... Deus.
Foco! Balanço a cabeça como um idiota.
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Presos na Biblioteca
RomansaPara alguns o Natal é uma celebração, mas para outros é motivo de tristeza. Todos os anos, na mesma data, Hanna, a garota mais popular da escola, vai até a biblioteca buscando esquecer, através dos livros, as lembranças tristes de Natais passados. N...