I

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A chuva caia sem parar, enchendo as ruas de Londres de lama. O céu cor de chumbo se refletia em todas as partes daquela cidade decadente que se agarrava ao passado como se dependesse disso.

Na grande e imponente mansão Uchiha, que mais parecia um mausoléu, isso se tornava ainda mais evidente. Lá dentro, a previsão do tempo era sempre de tempestade em copo d'água com possibilidades de pancada na cara a qualquer momento. O clima sempre era pesado, opressor, exaustivo.

- Itachi, papai está chamando você para a reunião. - Meu irmão caçula anunciou animado.

- Eu já vou. Obrigado. - Tentava esconder meu mau humor.

- Você é tão sortudo! Eu queria ir nessas reuniões, o que será que eles fazem? Você sabe, Itachi? Bem que você podia me contar, seria o nosso segredo. - Sasuke falou rápido, mal respirando entre uma palavra e outra, e me olhava com as sobrancelhas erguidas em expectativa.

- Desculpa, Sasuke, quem sabe na próxima? - Digo e não consigo deixar de sorrir com a cara emburrada que ele fez.

Se ao menos ele soubesse o que significa ser convocado para as reuniões da família.

Eu gosto de pensar que existem os Uchiha, e eu faço parte disso, que são um espectro que suga e se alimenta de toda luz e esperança nesse mundo. E exite o Sasuke que, diferente de nós, só tem coisas boas dentro de si e ilumina tudo e todos apenas por respirar.

O que esses velhos estavam querendo agora?

Na sala de reuniões, em uma mesa retangular de madeira escura, encontrei Madara Uchiha sentado na ponta mais distante, Obito do seu lado direito, meu pai do seu lado esquerdo e outros tantos que eu não reconheci, mas os cabelos e os olhos tão negros quanto os meus, não deixavam dúvida do sangue que carregavam nas veias. Todos eles vestindo seus ternos caros e sobretudos exibicionistas, a fim de demonstrar através de suas roupas o poder aquisitivo de cada um. Ridículo.

- Ah. Vejo que chegou, meu querido filho. - Fugaku, meu pai, esbanja um sorriso falso nos lábios. - Hoje o lugar de honra é seu. - Ele indicou a única cadeira livre, na extremidade oposta a de Madara.

Tomei meu lugar e nem se houvesse pregos no assento eu me sentiria tão incomodado. Eu sabia bem o que significava ter o lugar de honra e era só uma questão de tempo até o momento que uma bomba explodisse sobre minha cabeça.

Meus olhos percorriam cada pedaço daquela sala em busca de alguma resposta escondida naquele amontoado de móveis de madeira envelhecida, nas armaduras de metal espalhadas pelos cantos ou nas pinturas horrendas penduradas nas paredes. Mas o silêncio que se prolongava, o olhar de Madara sobre mim e o sorriso repugnante que crescia em seu rosto, o evidente nervosismo do meu pai, o jeito como Obito se remexia na cadeira, o calor exagerado da lareira... tudo isso tornava meu desconforto ainda maior.

- Você tinha razão, Fugaku. Acho que ele vai servir. - Madara disse por fim, enquanto limpava com as mangas o vinho que escorria pelo canto da boca.

- Eu disse! Ele é perfeito para o trabalho! - Fugaku disse orgulhoso.

- Alguém vai me explicar o que está acontecendo? - Arrisquei-me.

- Itachi! - Meu pai bate o copo com força na mesa e se levanta irritado - Como se atreve a falar assim com o conselho? Mostre algum respeito!

Em situações normais, eu me encolheria na cadeira esperando o surto de violência que viria. Mas não naquele dia. Contrariando meus instintos, mantive a cabeça erguida e sustentei seu olhar, em um desafio velado.

-Fugaku, sente-se e fique calado. - Madara rosnou.

Os Uchiha são violentos, egoístas, egocêntricos, manipuladores e inteligentes. Extremamente inteligentes. Eu ainda não sabia o que esperavam que eu fizesse, mas era claro que eu estava em uma posição mais favorável que a de Fugaku, que foi obrigado a engolir a seco e obedecer. E isso só me deixava ainda mais receoso.

Entre o Sagrado e o ProfanoOnde histórias criam vida. Descubra agora