Entre o Sagrado e o Profano

III

Oh, espero que algum dia eu consiga sair daqui

Mesmo que demore a noite toda ou cem anos

Preciso de um lugar para me esconder, mas não consigo encontrar nenhum por perto

Quero me sentir vivo, lá fora não consigo enfrentar meu medo

Não é adorável, completamente sozinha?

Coração feito de vidro, minha mente de pedra

Rasgue-me em pedaços, pele e osso

Olá, bem-vindo ao lar

— Billie Eilish, Lovely.

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O vento sopra forte bagunçando meus cabelos negros, a brisa toca minha pele e trás uma sensação de conforto em meio a todo esse caos. O tempo passa, mas sinto como se tivesse preso em um loop temporal, onde vivo o mesmo dia todos os dias. Encarcerado em uma vida que não queria ter, fingindo ser o que não sou, carregando o peso de um sobrenome amaldiçoado, em um mundo em que ser apenas Itachi não é suficiente.

Os dias no Vaticano não têm sido fáceis. Tudo aqui parece existir somente para ser um empecilho para mim. O idioma falado é totalmente o oposto da minha língua nativa, os ritos e costumes possuem tantas regras e variedades que fazem com que eu tenha dores de cabeças. Quando penso que aprendi algum deles, logo outro aparece e permaneço confuso.

Durante todo o mês eu pareci me esforçar para aprender. Passei horas e mais horas dentro da biblioteca apenas olhando Shisui ler livros e mais livros sobre toda a história da igreja Católica Apostólica Romana. A verdade, é que eu tentei ler e posso dizer que nunca dormi tão bem desde que saí de Londres. Participei de três e às vezes até cinco missas em um único dia com intuito de aprender a me portar como os outros membros, mas tudo que consegui foi não sair correndo – e isso já exigiu demais de mim. Acompanhei os Bispos e Cardeais na maioria de suas lições e me mantive atento em todas elas, bom, as que faziam sentido pelo menos.

Imagino como Deus se sentiria vendo as coisas que presenciei durante os últimos trinta dias na basílica de São João de Latrão. Outro dilúvio era pouco. Homens que se intitulam senhores de fé, que vestem com suas batinas e usam as máscaras da hipocrisia. Se você acha que tudo é lindo, maravilhoso e perfeito, você não está prestando atenção. Não demorou para que eu notasse que internamente os valores são tão distorcidos, que se tornam impossíveis de reconhecer e que o famoso mandamento "amarás o teu próximo como a ti mesmo", tem um complemento implícito: porém depende.

No meu primeiro final de semana no seminário, enquanto retornava para meus aposentos após a missa das sete horas da noite, passando pelos intermináveis corredores, que são desnecessariamente parecidos, em algum momento, devido a minha falta de conhecimento e atenção, me perdi - e isso acontece com mais frequência do que posso estar fazendo parecer.

Mas naquele dia, lembro que achei as luzes mais opacas ali, as paredes um pouco mais escuras, os quadros na parede com imagens perturbadoras do período da inquisição, estátuas que pareciam estar em sofrimento e o clima infinitamente mais frio, destoando de todos os outros corredores por onde já havia passado. Era desconfortável, meus instintos gritavam para sair dali. Em meu peito, meu coração batia acelerado e assim como a temperatura do local, meu sangue parecia cada vez mais gelado.