I. Bússola dimensional

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"No coração do sonho, estou sozinho. Estou no isolamento perfeito da criatura diante do mundo" – Albert Béguin

"Não se deixem enganar, essa é sem dúvida a melhor erva que vocês podem encontrar no mercado", essas foram as últimas palavras captadas pela mente de Frank antes de desviar sua atenção da fala de seu professor para as ideias mais aleatórias que brotavam em sua mente no momento. Isso já faziam alguns minutos.

Frank estava com a cabeça escorada em uma das mãos observando por entre a franja que caia em seus olhos o grande quadro negro da sala de aula. Seus olhos passeavam pelos desenhos detalhados em várias cores de giz que seu professor havia feito, e caiam sobre as palavras estranhas também escritas em giz que compunham os feitiços ali ensinados. Sua mente estava em branco, nada entrava e nada saia. Era impressionante como o rapaz conseguia guiar seu cérebro até o estado de pensar em absolutamente nada, mesmo quando sabia que o conteúdo sendo passado ao seu redor lhe era muito importante.

Como um jovem feiticeiro em seu segundo ano de faculdade era justo que Frank se encontrasse cansado de algumas matérias, porém o desânimo vinha se mostrando cada vez mais presente em sua vida acadêmica. Algo que para alguém como ele definitivamente não bom.

Frank continuou nesse estado de 'olhar para tudo e pensar em nada' até que um barulho alto lhe roubou a atenção. "Frank?", uma voz o chamou após o bater de uma palma na frente de seu rosto. "Vamos?", o rapaz levantou a cabeça para encarar a moça a sua frente, depois olhou ao redor surpreso ao ver que a aula já tinha acabado e que praticamente todo mundo já havia deixado a sala.

"A aula já acabou?", Jamia revirou os olhos para a pergunta idiota do amigo e resmungou algo sobre como era impressionante a habilidade que Frank tinha de praticamente dormir com os olhos abertos.

O rapaz juntou seu material colocando-o em sua mochila, e os dois fizeram seu caminho para fora da sala. Após algum tempo andando sem rumo já que essa havia sido a última aula do dia, resolveram passar na cantina do campus para comer alguma coisa. Assim que servidos, os dois escolheram uma mesinha no canto do estabelecimento e continuaram a conversar sobre aleatoriedades cotidianas. Jamia falava animadamente sobre um livro com magias engraçadas que havia encontrado na biblioteca da faculdade, e Frank ria ao questionar como algo tão incrível como o mundo da magia podia ter livros de conteúdo tão inútil e idiota.

"Mas enfim, você já conseguiu tudo pra o seu projeto?", o rapaz ficou visivelmente confuso com a pergunta da amiga, esboçou a mesma expressão da primeira vez que chegou na sala de aula no ensino fundamental e viu que todo mundo tinha levado uma cartolina colorida, menos ele. "O projeto", Jamia repetiu levantando as sobrancelhas como quem tentava jogar a informação na cabeça de Frank. Não adiantou. "O projeto das poções que temos que entregar na semana que vem".

Frank soltou um 'ah' despreocupado ao finalmente lembrar do tal projeto. Não, ele ainda não havia conseguido todos os ingredientes, o que de fato era uma vergonha ao levar em conta que sua família era a dona de uma franquia de lojas que vendia especificamente esse tipo de material. "Ainda não, mas só falta pegar um pouco de arruda. Vou passar na loja agora e comprar".

Os pais de Frank eram donos de uma grande marca de lojas no mundo mágico, responsável por criar e vender poções prontas, ingredientes para fabricações autônomas e mais alguns produtos relacionados. Tudo começou com uma pequena vendinha independente criada por seu avô paterno, que foi crescendo com o tempo e se expandiu ainda mais ao ser passada ao pai de Frank, que junto de sua esposa conseguiu fazer com que o nome Iero ficasse bastante conceituado entre a comunidade dos feiticeiros e no resto do mundo da magia.

O fato de Frank estudar para levar a diante o negócio da família nunca havia sido discutido com seus pais, mas ele sempre soube que era isso que os dois esperavam desde a primeira vez em que disseram que pagariam sua faculdade do 'estudo de magias naturais'. O rapaz nunca se opôs a seu "destino" pois gostava de agradar seus pais, mas também nunca explicitou que era de sua vontade seguir no ramo da família. Não que Frank não gostasse de tal linha de trabalho, no entanto o fato de todos esperarem que ele seguisse tal carreira o deixava com dúvidas sobre se isso era realmente sua vontade, ou apenas o desejo alheio projetado em sua vida. E essas dúvidas latentes resultavam no constante desinteresse do rapaz em seus estudos, a falta de atenção as aulas, o deixar de tudo para última hora, quase como se fosse uma autossabotagem não proposital.

No Exílio De Ser Livre [Frerard]Onde histórias criam vida. Descubra agora