24 de dezembro
Véspera de natal.Noah tinha primos insistentes, isso era um facto inerente. Theodore enviou-lhe uma carta no dia anterior a insistir em convidá-lo para o baile da esposa, já Noah respondeu-lhe com um bilhete curto e direto, contendo apenas quatro simples palavras.
Uma delas era não, as outras três eram o seu nome.
Pode ser que assim ele entenda de uma vez que não irá aparecer.
Não gostava de festas, especialmente as do natal, então não tinha por que ir. Preferia ficar sozinho em casa envolto na sua própria solidão, algo que sempre foi e sempre lhe seria aprazível.
Para além de que assim evitaria qualquer desilusão.
A conversa com a mãe infernizou-lhe a vida pelos últimos dias, e não havia maneira das palavras da mulher simplesmente desaparecerem dos seus pensamentos. Aquilo irritou-o de tal maneira que o seu mau humor respingou na maneira como se dirigia aos criados, mas os únicos que pareciam imunes ao seu péssimo humor eram o mordomo, Sawbridge, e a governanta, Georgia.
A voz da mãe a proferir cada palavra fazia-o lembrar de alguém a recitar um ritual de bruxaria ou a lançar uma maldição, sendo que a última parte ela fez. Ele não precisava que ela lhe desejasse a infelicidade quando ele já era infeliz, porém ouvir essas palavras vindas da própria mãe, da mulher que havia de o amar incondicionalmente sob qualquer circunstância, ajudou a acabar com ele um pouco mais.
O que havia feito de tão grave para ela o odiar? Foi ter nascido? Isso não pôde escolher, não teve livre arbítrio para o fazer, mesmo que quisesse.
Com o semblante sombrio, fez-se acompanhar de um copo de brandy, confortavelmente sentado na sua poltrona em frente à lareira acesa do seu quarto. Aquela era a maneira como iria passar a véspera de natal naquele ano, assim como foi nos anos anteriores: completamente sozinho.
Antes aquilo não lhe trouxe qualquer incómodo, mas desta vez sentia um desconforto por se ver sozinho, abandonado por tudo e todos, sendo poucos que ainda se preocupavam de verdade. Mas aquela pessoa que ele queria ter ali consigo já nem se lembrava da sua existência, e aquilo ajudava a dilacerar um coração que pensava que há muito não tinha.
Acendeu um charuto e observou o fumo a dissipar-se no ar de modo distraído, tentando esquecer tudo o que o atormentava, mas era uma tarefa difícil. De repente uma brisa fria atingiu-o e Noah arrepiou-se, pois sentiu-se estranho. Devido a isso decidiu deitar-se, pois não havia muita coisa à sua espera que justificasse deitar tarde. Mas nem na cama conseguiu sossego.
Quando finalmente adormeceu, após rolar pela cama incessantemente, foi atingido em cheio por uma imagem da falecida esposa no leito de morte, dias depois de perder o filho de ambos. Aquilo desestabilizou-o pois mesmo nunca tendo amado Agatha, foi difícil ver a agonia dela e desesperador ver todas as tentativas do médico em curá-la falharem umas atrás das outras.
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A vez de Noah
Ficção HistóricaFoi preciso duvidar da própria sanidade, para Noah finalmente se tornar lúcido. Noah King Allen era um homem solitário e desprezado. Com o passar dos anos conseguiu afastar as poucas pessoas que se importavam com ele, acabando rico, mas soli...