34 dias antes

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Vitória
Dia 4 de março.

Em pouco mais de dez dias, Ana Clara e eu completamos três anos juntas. Esses dias antes de alguma data comemorativa nossa me deixam eufórica e nostálgica. De repente, me pego pensando em quando tínhamos quatorze anos e ela me fez passar em matemática na escola. Ela sequer lembrava disso quando nos reencontramos, mas eu nunca esqueci aquela questão que valia dois pontos que me fez escapar da recuperação. Se a vida fosse uma prova, com certeza Ana seria a minha questão que vale dois pontos. E eu estava acertando, até então.

Amar Ana Clara era uma montanha russa; e eu sempre havia tido pavor desse brinquedo. Digamos que eu não seja uma pessoa que gosta tanto assim de adrenalina. Mas Ana Clara me fez ressignificar meus medos, destravar meu peito, e me entregar pra conhecer essa doideira que é o amor. E eu conheço todo dia. Viver com Ana é uma descoberta infinita. Quando ela existe aqui, todas as vezes, eu me sinto assim. Infinita. Como se estivéssemos em um espaço-tempo paralelo se não ao nosso, aonde só existisse a imensidão de nós. Descubro Ana, e na mesma medida, me descubro. Descubro a gente, e quanto mais dela tem em mim, mais espaço parece ter. É um ciclo vicioso, que eu não faço questão alguma de aprender como sair.

Eu ainda não havia descoberto o que fazer pra Ana em nosso aniversário. Eu nunca tinha sido uma pessoa dessas que decoram datas, aliás sou bastante da esquecida. Mas desde que começamos a namorar, lembrar as datas era algo tão importante para Ninha que se tornou algo igualmente importante para mim. Comprei um calendário, deixei em minha geladeira, e todo começo de ano, circulo todas as datas comemorativas, pra dessa forma, não correr o risco de esquecer.
Desde que criei esse hábito, tento, do meu jeito, criar coisas incríveis pra ela — nessa data e também fora delas —. Eu não diria que eu sou a melhor pessoa do mundo pra presentear. Eu só me esforço.

Nesses dias anteriores, Ana fica assim, como eu: nostálgica, mas com um tom maior de saudade do que de euforia, dessa vez. Não entendo, mas respeito teu canto. Ana anda mais quieta. Na sua. Revê nossas fotos antigas, e finjo que não vejo com meu canto de olho que o seu inunda. Finjo não perceber, não querendo invadir. Às vezes só quero lembrar: "Não sinta minha falta, pois estou bem aqui."

Ao invés disso, me calo, deixando que ela tenha seu espaço. Cada um lida de uma forma com lembranças, mesmo que elas remetam a algo feliz. Sei que no dia, estaremos bem. Até lá, tento inundar ela com outras coisas, como a minha euforia. A encho de beijos, chocolates que ama e assisto seus filmes que geralmente, faço birra por não gostar. Ela chora em todos eles, como se sofresse de amor, e eu consolo, como se entendesse sua dor. Não posso evitar rir às vezes, recebendo de Ana uns tapas sem força, demonstrando sua inconformação pela minha frieza com a sua dor tão real ao assistir um filme.

"Não precisa me bater! Eu só tô rindo do seu choro porque diferente da menina do filme, tu já achou o teu final feliz. Quer dizer, não um final, porque a gente não acabou, e..."

Começo mais uma daquelas minhas falas que me perco no que quero dizer. Ana desiste de ficar brava porque de alguma forma, gosta dessa minha confusão. Acaba rindo em meio as lágrimas, então gargalhamos juntas até a barriga doer. Antes mesmo que o filme acabe, Ninha adormece no meu peito. A vendo daquela forma, tão frágil, ressonando sobre mim, eu tenho a certeza que ela também é o meu final feliz.

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