22 dias antes II

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Ana
16 de março.

Quase ao amanhecer, o bar aonde eu estava fechou. Melhor dizendo, me expulsou, já que a minha cabeça repleta de álcool e culpa me fazia insistir pra ficar. Não sai de mãos vazias; um uísque me acompanhava enquanto o sol começava a dar sinais de querer aparecer meio ao céu azul escuro.

Sentei em um banco da praça, bebendo um gole daquela bebida barata que eu sinceramente odiava. Desde quando eu havia me tornado a pessoa que resolvia os problemas bebendo e dormindo na rua?

Naquele momento, não estava mais bêbada. Apenas em um estado maçante, imersa em culpa e álcool. Realmente me sentia num daqueles filmes aonde a protagonista, de coração partido, bebe pelas ruas tentando esquecer a pessoa amada.

O problema é que nesse filme, eu quem tinha esquecido.

Comecei mais um choro desenfreado. Talvez estivesse sim bêbada; a garrafa pela metade em minhas mãos dizia isso. A sensação de falta, culpa, só era maior. Levei a mão até o meu olho, enxugando o mesmo enquanto fazia birra feito uma criança; chorava sentido, como se tivessem errado feio comigo. É que eu errei mesmo comigo.

Observava os carros passando na avenida ao lado; provavelmente pessoas indo aos seus trabalhos. A vista embaçava pelas lágrimas salgadas que escorriam. De todos aqueles carros que passavam, um deu a volta e parou perto de mim. Recuei assustada, até ver a porta ser aberta, revelando uma figura conhecida. Ela correu em minha direção, e eu me encolhi, completamente acanhada.

"Ana? Ana Clara! O que foi? O que tu tá fazendo aqui?"

Não respondi, apenas abaixei a minha cabeça, como uma criança culpada. Gabriela correu em minha direção, e me abraçou, negando com a cabeça inúmeras vezes.

"Pelo amor de Deus, Ana! Olha teu estado. O que houve?"

Chorava mais e mais. Como me permiti chegar nisso? Eu estava literalmente me afundando, sendo irresponsável com minha vida, meu relacionamento, meu trabalho, tudo.

"Não precisa falar. Vou te levar pra casa, vem."

"Pra minha casa não."

Falei baixo, sem querer explicar. Sorte a minha que Gabi era extremamente compreensiva. Assentiu com a cabeça e me levou em direção ao carro, aonde entrei. Ela partiu em silêncio, enquanto eu me encolhia no banco, querendo desaparecer.

"Não pense que depois você não vai me contar o que aconteceu."

Não respondi, permaneci em silêncio. Não lembro como foi exatamente o momento em que peguei no sono, só sei que em algum momento ele pesou meus olhos mais do que as lágrimas e eu apaguei.

Acordei horas depois. Muitas horas depois. Estava com uma dor de cabeça infernal e deitada em uma cama diferente da minha. Me sentei e levei algum tempo até recordar como vim parar ali. Peguei meu celular, realmente eram muitas horas. Já se passavam das três da tarde. Abri a conversa com minha chefe, e escrevi a melhor desculpa que pude. Esperava que colasse, mas aquele não era nem de longe o maior dos meus problemas. Logo acima de sua mensagem, tinha outra. Meu coração acelerou, ou parou por alguns segundos, eu não conseguia decifrar. A sensação era também como um soco no estômago.

Vitória > Ana • Whatsapp
vitória: espero que tu esteja bem. se puder me dar notícias... me importo.

Há algumas horas atrás. Meu estômago revirava, implorando que meu coração me desse uma resposta que me tirasse daquela imersão em pesar em que eu me encontrava.

Ainda não me sentia preparada pra resolver a situação. Não conseguia encarar aquilo de frente, não poderia lidar com a situação. Não poderia dar à ela resposta...

Eu não tinha resposta alguma dentro de mim.

Seria cruel demais ignorar. Depois de tudo, depois da forma a qual errei. Respondi, breve, numa autosabotagem consciente.

"não foi meu melhor dia, mas tô fisicamente bem. dormi na casa de gabi. a gente conversa em breve."

Bloqueei meu celular e me joguei na cama, encarando o teto, percebendo que ainda estava zonza. Droga.

Eu tinha batido o recorde de tempo mínimo em estragar as coisas.

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