20 dias antes

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Ana
18 de março.

Acordei com um peso em meus braços. Demorei um pouco a conseguir abrir meus olhos, quase cegando com a luminosidade. Quando consegui abrir, reconheci aonde estava. Me virei de lado para não acordá-la; sorri de canto. Era Vitória em meus braços.

Encarei seu rosto, dormindo, serena. Flashes da noite de ontem me alcançavam; "Se tu não vir eu vou entender também. O silêncio grita, Ninha. Mas eu meio que tou cansada de ouvir as coisas que o teu me diz que tu nunca me disse." Aquilo me doeu como um soco. Principalmente porque sabia que nos últimos tempos, a única coisa que eu realmente estava dando a Vitória, era o meu silêncio.

Não podia não aparecer. Não podia fazer isso de novo. Saí quase que de imediato da casa de Gabriela; que havia escutado meus questionamentos todos nos últimos dias. Quando cheguei em casa, minha mulher dos cachinhos estava no sofá; praticamente abraçada com uma garrafa de vinho.

"Vi?"

Perguntei, trancando a porta atrás de mim e andando em sua direção. Ela deu um pulo no sofá, quase que em susto.

"Tu veio..."

Teus olhos mel me fitaram em surpresa, quase como que se eu fosse irreal, me fazendo, pela milésima vez em dias, sentir o gosto amargo de culpa nos meus lábios.

"Não queria te dar meu silêncio como resposta. Eu sei o que tu entenderia por ele."

Me aproximei, a observando. Depois de praticamente três dias sem vê-la, pude observar melhor os mínimos detalhes; Vitória estava perfeita, vestida em uma camisa branca de botões, com os primeiros abertos, seus cachos loiros presos em um coque desajeitado.

"Uhum... entenderia bastante coisa."

Ela revirou seus olhos, soltando uma risadinha irônica.

"Eu achei que tu não fosse voltar não. Não mesmo, nunca."

Ela soluçou. Estava machucada. Mordi meu lábio inferior, sem palavras.

"Eu voltei..."

"Eu sei."

"E Vi, sobre o nosso dia..."

Vitória me cortou.

"Não, não fala nada. Preciso tanto de tu, Ninha."

Ela pegou em minha mão, fazendo carinho. Sabia que não era esse o momento de tocarmos no assunto. A ferida estava extremamente aberta. Retribui o carinho em sua mão. A encarei, focando nos detalhes. Os olhos em mel e girassóis, os lábios corados pelo vinho.

"Acho que a gente só precisa uma da outra nessa vida e que a gente tem tempo que só pra conversar. Mas hoje, só hoje, Ninha, fica comigo? Eu tenho medo do que vai ser depois e quero sentir que estamos juntas se for a última vez..."

Vitória murmurou. Era doída a sentença de um quase fim, mas ela estava tão perto que era impossível caber ali um não. Suspirei e me aproximei mais; a ponto de bater meus cílios nos teus. Ainda a queria tanto. O beijo foi de saudade; de precisão.

Roupas não eram necessárias entre nós e sabíamos disso. Por isso, nos livramos delas. Aquela mulher era um poema que eu conhecia bem e ontem fiz questão de recitar cada palavra já por mim cantada em cada cômodo daquela casa; cozinha quarto, sala de estar.

Nos tocamos e entre sussurros proibidos, corpos colados e lábios selados, dividimos o deleite à duas que já sabíamos tão bem.

Acordei ao seu lado hoje, e a vendo dormir em meus braços, nua, em seu sono tão manso, implorava aos céus que aquela fosse a resposta que minhas questões precisavam.

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