23 dias antes

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Vitória
15 de março.

Quando o dia iniciou, mal podia imaginar que havia mesmo começado. Acordei eufórica, ainda mais do que nos outros dias. Eram informações demais para um dia só, e ainda eram sete da manhã.

Aniversário de namoro. Relacionamento ficando sério demais. Compromissos. Vida adulta. Pedido de casamento.

Podia parecer exagerado, mas pensar em me casar era um passo extremamente grande. Qualquer um que me conhecesse há pelo menos quatro anos atrás concordaria com isso. Nunca esteve nos meus planos ter um relacionamento sério demais, querer dormir e acordar todos os dias com um só alguém. Mas o fenômeno Ana Clara aconteceu em minha vida, e sim, havia mudado completamente todas as ideias as quais eu pensei que nunca mudariam.

Chego no trabalho um pouco atrasada, já que perdi tempo demais pensando e me planejando. Nem me importei; estava radiante para o dia de hoje. Trabalhei meio aérea, só conseguia contar as horas para que a noite chegasse logo.

Troco poucas mensagem com Ninha durante o dia. Ela parece bem, o que me alegra. Não tocamos no assunto do aniversário mas não me afeto. Provavelmente ela queria que falássemos sobre e comemorássemos pessoalmente, assim como eu.

Ou ela estava imaginando o que eu planejava. Ah, meu Deus. Será que eu dei algum sinal? Será que Ana desconfiou do meu pedido? Tentei ser o mais sigilosa possível. Manoela escondeu meu anel em sua casa, já que eu era péssima em esconderijos e Ninha poderia acabar achando, caso eu deixasse em casa. Deixei para arrumar tudinho em casa, depois que chegasse do trabalho. Sairia mais cedo, pra conseguir arrumar tudo a tempo. Não, não tinha como ela saber. Era o plano perfeito.

Quando o relógio marcou quatro da tarde, eu mal pude acreditar. Reuni minhas coisas correndo, e agradeci aos céus que Alfredo não se encontrava, porque com toda a certeza do mundo ele iria questionar mais uma vez se essa minha saída mais cedo era mesmo inadiável, e eu responderia que não, que se eu não fizesse logo aqueles exames, poderia acabar tendo alguma complicação. Eu sei, não é legal brincar com saúde. Mas foi a minha melhor desculpa, mesmo que eu tivesse certeza que não conseguiria mantê-la caso meu chefe ainda estivesse ali e viesse me perguntar sobre mais alguma vez.

Me despedi de Manoela, a única que sabia sobre o real motivo da saída mais cedo — e do plano —. Pedi para que minha melhor amiga me desejasse sorte, mas ela me respondeu que não precisava de sorte quem tinha o amor. Por incrível que pareça, foi a melhor resposta que pude ter naquele momento.

A fila do mercado estava enorme, mas felizmente fui contemplada por um trânsito ameno. Ao chegar em casa, rapidamente tomei um banho, coloquei meu macacão preto novo, que era de tecido leve, com um grande decote em "v", e fui para a cozinha iniciar os preparativos. Iria cozinhar um risoto de palmito, um de nossos pratos favoritos.

A preparação foi tranquila: cozinhava enquanto cantarolava algumas músicas e bebericava uma taça de vinho, sem querer ficar bêbada antes que Ana chegasse, então me demorei em uma taça apenas.

Terminei os preparativos exatamente às sete e quarenta; pelo horário de Ana, ela sairia hoje às sete e meia. Caminhei até o sofá e me sentei, ligando em uma playlist que havia criado pra nós. Fiquei me aproveitando daqueles poucos minutos sozinha, tentando não pensar tanto na situação até que ela realmente fosse acontecer.

O tempo passava devagar. Oito horas marcaram no relógio. Ela provavelmente estava chegando, e a ansiedade começava a me consumir. Quase que ao ponto de começar a questionar absolutamente tudo que fiz.

Oito e vinte. Ana Clara não chega. Talvez o trânsito estivesse congestionado agora.

Oito e quarenta. A comida começa a esfriar, mas eu esquento sem problemas. Aliás, hoje é o dia que irei pedir minha Ninha em casamento. Nada pode me deixar triste.

Nove horas. Talvez o trânsito esteja realmente muito ruim. Eu posso esperar mais um pouco para esse momento. Estive mesmo inconscientemente esperando a vida toda.

Nove e meia. Me preocupo, nunca havia demorado tanto. Mando uma mensagem. Ana não recebe.

Dez e vinte. Liguei incontáveis vezes pra Ana Clara. Nem mesmo o trânsito caótico de São Paulo faria ela se atrasar tanto. Começo a andar para um lado e outro na sala, temendo que algo ruim tivesse acontecido.

Dez e quarenta. Decidi parar de esperar e pegar minhas coisas para sair a procura de Ana. Antes que eu pudesse pegar o elevador, meu celular vibra, notificando uma mensagem sua.

Ana > Vitória • Whatsapp
ana: amor? vi suas chamadas agora, tava sem sinal. desculpa
ana: tô indo pra casa, tive que pegar um extra e acabei de sair do hospital
ana: já jantou? quer que eu leve uma pizza?

Vejo as mensagens e sinto um nó na minha garganta. Eu queria tanto não me importar com isso, Ana Clara tinha esquecido nosso aniversário de namoro. E estaria tudo certo, já que eu nunca me importei tanto com datas.

Mas ela sempre se importou demais pra esquecer, e era esse o problema.

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