29 dias antes

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Ana
Dia 9 de março.

Chego em casa e Vitória não está. Provavelmente foi visitar sua irmã, ou pegou mais uma hora extra em seu trabalho. Inconscientemente, me sinto aliviada, e logo depois, me sinto mal por essa sensação. Não deveria gostar de não tê-lá aqui. Não deveria. Não há motivos para isso. Vitória nunca deu motivos para isso.

O problema não é ela. Não, com toda a certeza não é. Vitória é o amor que eu sempre reclamei que pra mim, nunca ia chegar. E chegou. Carregando girassol e mel em seus olhos e cabelos, trazendo para a minha vida a poesia que antes, não rimava nem que eu tentasse muito.
Só que o problema é que não tenho vocabulário mais pra escrever a imensidão que é Vitória. Talvez eu não seja tão poeta quanto imaginava.
Talvez eu esteja de saco cheio. Não dela, não da nossa vida, não. Simplesmente de saco cheio.

Ando sentindo minha falta. Isso, ando me faltando tanto. Não me vejo em nenhum canto. Não reconheço o que sinto! Quem sou eu e pra onde fui?

Em seis dias, comemoramos três anos de nós. Me sinto péssima em ver seu ânimo e não saber retribuir. Por que isso apenas afeta a mim? Ela parece tão bem, tão certa de nós. Eu não acredito que meu coração vai destruir o meu final feliz.

Deito na cama, e sinto minhas bochechas úmidas. As lágrimas, eu sabia que elas não demorariam a chegar. Tem sido algo constante nos meus últimos dias. Pego meu celular e abro a galeria, visitando memórias antigas e vendo nossas fotos de 2015, no começo de tudo. Um tempo passa e vejo fotos do começo do nosso namoro. Lembro de cada poema meu que embalava o amor que sentia a cada gesto de Vitória. Pra onde foi nossa rima?

Me sinto incompleta pela ausência da certeza. Eu quero amar Vitória. Eu quero sentir como antes. Eu não quero estragar tudo. De novo, não.

Passando por tantas fotos e vídeos quase me sinto como há dois anos atrás. O coração erra uma batida ao pensar na possibilidade de ficar sem ela. Doeria tanto ir embora. Então por que está doendo tanto ficar?

É quase culpa não poder me afirmar meu amor. Toda vez que ela diz que me ama, meu coração dói. O meu amor está ruindo? O que está acontecendo comigo?

A ausência do diferente me incomodou. Sua rotina árdua, combinada com a minha, nos dava poucas horas juntas. Geralmente cansadas, precisando de um banho e o máximo de horas que poderíamos dormir.

Estou chorando mais do que espero chorar. Não quero deixar de amar Vitória. Pego meu travesseiro, grito contra o mesmo, tentando colocar para fora toda a angústia, toda a dúvida, todo o caos que por hora me habita. Tiro o travesseiro do rosto, chorando de soluçar, esperando que simplesmente, uma solução entre pela porta do meu quarto.

"Ninha? Ninha, o que foi?"

Vitória corre em minha direção ao perceber que estou chorando desesperadamente. A culpa é amarga nas palavras que não conseguem sair dos meus lábios. Ela, sempre tão compreensiva, não me questiona mais nada. Apenas me abraça, me ninando, e dizendo que vai ficar tudo bem.
Ela está cansada, com a roupa que trabalhou o dia todo para podermos nos sustentar em um apartamento caro e pequeno em São Paulo. E eu estava aqui, na nossa cama, me questionando se ainda a amo.

Antes de adormecer em seus braços, vejo horas iguais no relógio e peço com todas as minhas forças que eu esteja apenas ficando louca, e que esse amor jamais vá embora.

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