Hange despertou com uma leve dor de cabeça. A futura comandante da Tropa de Exploração espreguiçou o corpo até os pés aparecerem por baixo do cobertor pesado, sentindo-se bem apesar do pequeno desconforto entre as pernas, que não era de todo desagradável. Ela tocou na própria intimidade e descobriu-a úmida do próprio orgasmo, e do de outra pessoa também.
Não demorou para encontrar o travesseiro encharcado e a boca seca, além de uma dor arranhada na garganta. Ela sentia um desconforto dormente no braço, fruto de uma má posição na hora de dormir, e os cabelos castanhos apontando para várias direções diferentes eram mais uma confirmação da noite de sono turbulenta.
— Que pesadelo longo.
E era verdade. Hange tinha a sensação de ter dormido por dezessete semanas em vez de apenas oito horas. Como é típico dos sonhos, a tenente não lembrava de quase nada, mas sabia que o pesadelo tinha algo a ver com gravidez, que era um dos seus maiores medos e também o de muitas outras mulheres por aí.
Ela saiu da cama coçando a traseira dolorida e agradecendo por estar acordada. Tomada por essa felicidade genuína, assobiava enquanto caminhava descalça para o banheiro, rebolando o quadril ao som da música. O sol brilhava lá fora, tudo estava em seu devido lugar. Era um ótimo dia para se estar viva, mesmo com a expedição perigosa que fariam daqui algumas horas.
No banheiro, Hange tirou a roupa sem pressa, sonhadoramente, assistindo um pássaro azul muito familiar bicar a pequena janelinha acima da banheira como se o próprio reflexo fosse um inimigo mortal. Batendo no vidro daquele jeito, até dava para confundir com um pedido para entrar no quartel.
O armário na parede era daqueles com espelho. Ela olhou para a mulher de cabelo bagunçado e cílios longos com uma cicatriz de guerra no lugar do olho esquerdo, e sorriu. A racionalidade é uma das muitas características que diferenciam seres humanos do passarinho atacando a janela. Diferente do animal, Hange sabia que aquela moça no espelho não era uma inimiga, mas uma cópia de si mesma.
A tenente pertencia ao grupo de pessoas que acham inútil escovar os dentes na pia quando se vai tomar banho, portanto, pegou a escova de dentes objetivando lavar a boca com a água da banheira. O reflexo passou despercebido quando ela fechou a portinha, já o pássaro continuava bicando o seu na janela, travando uma batalha mortal contra a ave que era tão semelhante a ele próprio.
— Você não vai conseguir nada com isso.
A escova de dentes bateu duas vezes no chão e saiu rolando quando Hange a deixou cair. O bico granívoro do pássaro havia se transformado numa coisa pontuda pesada demais para que o pequeno animal pudesse aguentar, então, como não conseguia mais espetar o vidro, golpeava-o com o corpo. As penas voavam conforme o pássaro batia as asas violentamente, piando de dor a cada pancada. Tão logo apareceu uma rachadura no vidro, e não ia demorar para que fosse transformada num buraco grande o bastante para o anômalo passar.
A tenente pisou na escova de dentes ao andar para trás, incapaz de desviar o olhar daquele pássaro cujo bico tanto se parecia com uma agulha de tricô. Ao fazer essa constatação, foi atacada por uma cólica tão aguda que a fez dobrar o corpo agarrada ao próprio ventre. A dor aumentava em compasso com as batidas no vidro, profunda ao ponto da tenente ranger os dentes. Ela encolheu até se transformar numa bola minúscula encostada no canto da parede, só não adentrando os tijolos por ser fisicamente impossível. A cólica a consumia como se pequenas espadas a rasgassem de dentro para fora. A febre queimava, fazendo-a suar deliberadamente por todos os poros enquanto ignorava a respiração para focar-se em controlar a dor. O sangue parou nas veias e Hange sentiu que ia desmaiar, no entanto, a tontura momentânea passou no mesmo segundo em que uma coisa molhada de cheiro ferruginoso vazou do meio das pernas bambas.
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Venha me pegar
FanfictionAlguns erros podem virar a vida das pessoas de cabeça para baixo. Hange comete um descuido que põe em risco sua posição na Tropa de Exploração e compromete sua vida pessoal. Agora, a comandante precisa decidir qual caminho deve seguir e enfrentar as...