Arco-íris ao anoitecer

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Hange contou histórias sobre Erwin. Os grandes feitos, não. As favoritas de Leona eram as sobre o dia a dia de seu falecido pai. Leona gostava de ouvir, sobretudo, as besteiras que seu pai fazia de tempos em tempos, como quando, durante uma missão, Erwin, nas palavras de Hange, "estava doido para fazer cocô e na pressa acabou sentando num arbusto de urtiga".

As histórias ninaram a criança adoentada. Leona não dormiu, ela desmaiou. A menina acordou lá pelo meio-dia. Um sono de urso. Descansada, Leona despertou achando que a mata-nobres não passou de um terrível pesadelo. Porém, a dor lancinante lembrou-a da realidade. Hange não estava à vista. Pelo baixo assobio, Leona soube que sua mãe se encontrava na cozinha.

Não demorou para Hange juntar-se à filha. Tendo em vista que a garganta e a mandíbula de Leona foram prejudicadas pela mata-nobres e alimentos sólidos machucavam-na, Hange preparou uma sopa de ervilhas quentinha e cremosa - fácil de comer. Ela sentou na cadeira ao lado da cama e pôs o prato no colo.

— Boa tarde, Bolinha. Está se sentindo melhor?

— Um pouco.

A voz rouca dava um charme na aparência de titã anormal. O estado de Hange, em compensação, combinava com o de Leona. Diferente da filha, Hange teve um sono leve do qual despertava cada vez que Leona se remexia entre seus braços. As olheiras fundas acentuavam o aspecto exausto. No entanto, uma coisa é certa: ambas estavam mais apresentáveis do que ontem.

— Quer que eu dê na sua boca?

Leona assentiu. Hange a alimentou de colherinha em colherinha. Leona engolia de cara feia, porém com uma fome que muito agradou Hange. Nos intervalos entre uma colherada e outra, Hange designava uma porçãozinha para si. Após a refeição compartilhada, a mãe esfregou a boca suja da criança. Enquanto era limpa, Leona murmurou:

— Espelho.

— Você tem certeza?

Leona tinha. Hange suspirou, indecisa. Bom, é errado negar à Leona o direito de reconhecer a própria feiura. Hange vasculhou o armário até encontrar a caixa onde guardava os poucos produtos de cuidado pessoal que possuía; todos vencidos ou perto de expirar. Lá, achou um espelho de mão. Leona, ao deparar-se aquele filhote de cruz-credo no lugar de sua imagem, chorou.

— Que horror. — Leona lamentou-se.

Graças à Santa nenhum de seus amiguinhos a vira com aquela cabeça alienígena. O que Peter diria? Oh, o que DIANA ia pensar? Com essa cara de ogro, dali por diante Leona certamente só poderia brincar de soldado-e-titã. É ótimo ela gostar de ser titã, pois ninguém vai deixa-la ser soldado.

Aproveitando que Leona estava acordada, Hange terminou a faxina começada por Levi. Ela deixou o quarto limpinho e arejado. Mal se percebia o cheiro nauseabundo característico do leito dos doentes. Depois de trabalhar por dois dias e uma noite, Hange cambaleava de cansaço. Serviço doméstico é de fato exaustivo. A comandante viu-se obrigada a tirar um cochilo; um descanso livre e silencioso no quarto de Leona.

Hange acordou antes do anoitecer, e aí o expediente de enfermeira recomeçou. Ao contrário de ontem, hoje Leona se mostrou uma paciente mais cooperativa. Leona não reclamou (tanto) na hora de beber o chá, e quando Hange quis examinar os inchaços, Leona permaneceu paradinha enquanto sua mãe analisava os efeitos tão peculiares daquela doença estrangeira.

A noite foi complicada. Leona teve febre e dores de ouvido. De novo, embora a criança estivesse cansada, o sono demorou para chegar. Em gratificação, ao enfim adormecer, não mais despertou até a manhã do outro dia. Leona acordou de barriga para cima. Hange dormia ao seu lado, de bruços. Devagar, Leona arrastou-se para fora da cama.

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