Fala muito, faz porco

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A desistência é o ato de abdicar ou abandonar alguma coisa. Nós desistimos do nosso emprego quando pedimos demissão. Desistimos do nosso diploma de jornalista quando trocamos a faculdade de jornalismo por enfermagem no último período antes da formatura. Desistimos do nosso casamento quando nos divorciamos. E desistimos de um aborto quando resolvemos ter um bebê.

Uma grande quantidade de pessoas sinonimiza desistência com fraqueza. Esses mesmos sujeitos endeusam trabalhadores exaustos, estudantes desequilibrados, casais infelizes e mulheres atormentadas; e menosprezam desempregados libertos, calouros na graduação desejada, divorciados contentes e mães.

Esse pensamento mostra falta de empatia e transparece uma espécie de complexo de grandiosidade por parte de quem o reproduz, por acreditarem que a desistência é o reflexo de uma personalidade desleixada. Todavia, a desistência nem sempre vem acompanhada de fragilidade e comodismo. Na verdade, a renúncia é um processo doloroso e complicado, alguns levam muito tempo para desenvolver a coragem necessária para desistir, e outros nem o fazem. Basta você olhar para os lados para ver funcionários presos em empregos que detestam, estudantes seguindo uma graduação que não lhes é satisfatória, casais arrastando relações e grávidas estressadas.

Abandono nem sempre é ruim. No momento em que você desiste, você está largando aquela responsabilidade que vinha lhe destruindo. O alívio pode parecer estranho ou ser imediato dependendo do nível de tormento em que você se encontrava, mas uma coisa é certa: você pode vir a concluir que a sua vida melhorou sem aquele compromisso, e se você pensar assim, é porque desistir era de fato a opção sensata para o seu caso.

No de Hange, a desistência veio após mais de uma semana de reflexões, monólogos e pesadelos, e se você perguntar como ela se sentiu vendo os medicamentos indo para o esgoto, ela responderá que a loucura, o sentimento de culpa, a infelicidade e a contrariedade foram lavados pela água. Pela primeira vez desde que descobriu a gravidez, as coisas estavam em seus devidos lugares. Era como se a vida até aquele momento fosse um quebra-cabeça simples que não podia ser montado pela falta de uma única peça que acaba de ser encontrada em baixo da bunda do montador.

Hange ainda não sabia se a decisão tomada era o caminho correto, e talvez nunca soubesse. Quando você atinge uma certa idade, você descobre que a maior parte dos problemas adultos não possui resoluções fáceis onde os conceitos de "certo" e "errado" são bem definidos, e a vida te ensina uma pergunta curtinha lotada de significados: e se?

E se eu largar o meu emprego? E se eu trocar de faculdade? E se eu me divorciar? E se eu ter esse bebê?

Sendo assim, não existe "certo" ou "errado", apenas consequências. Abortar não era a decisão errada, tampouco a correta, e o mesmo se aplicava a manter a gravidez. No fim, Hange ponderou entre os frutos e danos de ambas as decisões e resolveu seguir o caminho que mais parecia sensato para a sua situação. Ela tinha condições financeiras e julgava possuir as mentais também. Em outras palavras, escolheu ter a criança porque, já que estava grávida, as consequências de ter um filho lhe eram melhores do que as de cortar a gestação.

Quando a banheira esvaziou, a comandante saiu rindo de alívio e alegria plena, longe das gargalhadas delirantes do enterro. Ainda sorrindo, aconchegou-se em baixo dos cobertores pesados e macios, nua. Hange passou boa parte da noite afagando a barriga e conversando com o bebê lá dentro, o qual finalmente pôde reconhecer como filho. Ao adormecer, teve um sonho doce com casaquinhos vermelhos que foi esquecido pela manhã.

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Seja o término do relacionamento, o pedido de demissão ou a troca de faculdade, você pode pensar que a melhor alternativa é manter segredo sobre uma decisão recente – para evitar que pessoas tentem convencê-lo a insistir em algo que lhe faz mal, por exemplo. Hange continuou fazendo segredo sobre a gravidez por uma série de motivos, e o principal deles era a Capital.

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