História Sobre Flores: Desabrochar (parte 1/2)

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aviso de conteúdo: transfobia internalizada

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Maio de 2017

A família inteira de Parfum Plumeria se reúne em seu quarto quando ele abre o seu email.
- Chegou – ele anuncia, a mão trêmula sobre o mouse conforme arrasta a seta até a notificação do resultado dos vestibulares da Universidade de Bright Moon.
- Você passou? – Marin, seu irmãozinho pergunta.
- Calma, tá carregando – ele replica. A internet na sua casa não é boa, mas com a ansiedade quase explodindo em seu peito, ela parece ainda mais lenta que o de costume.

Claro, Parfum tem motivos ocultos para querer ir para Bright Moon. Não é só pela universidade.
- "O resultado saiu"... sim, sim, nós sabemos cacete, mas cadê o resultado? – reclama sua mãe, arrancando uma risadinha angustiada do filho. Parfum clica sobre o link fornecido e vai parar no site da universidade.

A lista se encontra em ordem alfabética. Parfum rapidamente desce a tela até perto da letra P.
- Octavio, Ozma, Pablo, Parfum... filho, você passou! – sua mãe comemora, abraçando-o por trás e soltando gritinhos agudos de euforia – eu sabia que você ia passar, eu sabia!
- Boa, campeão! – seu pai o parabeniza, lhe dando tapinhas nas costas, enquanto seu irmãozinho grita e agita os braços, imitando a mãe – vê se arruma uma namorada bonita por lá pra nos apresentar viu?
- Ah... claro, pode deixar – ele força uma risada.

[...]

Junho de 2017

Parfum não é Parfum.

Ele também não é ele, é ela. Já sabe disso há pelo menos três anos. Ninguém mais no mundo, ao menos entre as pessoas que já o viram pessoalmente, sabem disso.

Só um seleto grupo de pessoas no seu twitter privado sabe quem ela realmente é. Bom, mais ou menos: nem todas sabem que ela é trans. Nenhuma chegou a ver o seu rosto, muito menos o seu corpo, ou ouvir a sua voz. Ela não sabe como lidaria com isso. Só o que faz é se apresentar como uma mulher de nome Perfuma: ela deixa que a mente das pessoas se encarregue do resto.

"Ela".

Traz um sorriso tranquilo ao seu rosto poder se apresentar assim.

É a primeira vez que ela se encontra em público vestindo roupas assim: uma tiara de flores na cabeça, vestido longo, seus cabelos longos soltos, emoldurando o rosto – sem a necessidade de fingir que é metaleira ou algo assim para justificá-los. Ela esperou por tanto tempo para poder mostrar aquele seu vestido ciano ao mundo, escondendo-o no armário dos seus pais e usando-o apenas dentro de casa, quando sozinha, de preferência com o quarto trancado. Ela pode não ter seios (ainda), mas a sensação de vestir um top é uma das coisas mais incríveis que já sentiu.
- Chegamos, moça – o Uber anuncia. Perfuma sorri e, afinando a voz o máximo que pode, agradece.
- Obrigada! – e desce do carro, sentindo um leve olhar de estranhamento do motorista. Ainda não tem prática nenhuma para fazer uma voz assim, mas espera melhorar com o tempo. Sempre fora meio travada, isolada, quando vivendo lá em Greenwood, em Plumeria. Sentia vergonha demais de como parecia aos olhos dos outros para ousar falar demais, se mostrar demais.

Com alguma dificuldade, ela arrasta sua pesada mala escadaria acima, chegando até a porta do prédio. "E ninguém pensa na acessibilidade", reflete Perfuma, observando a falta de rampas. Ela checa de novo o número do apartamento no celular, só pra ter certeza, e aperta o número 62 no painel de interfones.
- Olá! – uma garota de voz esganiçada atende quase de imediato.
- H-hey, Entrapta – Perfuma se dá broncas mentais. Tem a sensação de não ter afinado direito a voz. Ela suspira, se concentrando, antes de continuar – sou eu, a Perfuma. Você abre pra mim?
- Perfuma...? Perfuma... hm, Perfuma?
- Meu user no twitter é @iamtheflowergirl, a gen...
- AAAAAAAAAAAAAAAAH, FLOWER GIRL! Eu lembro de você, entra aí! – o som da porta eletrônica sendo destrancada se ouve.

Shorts - Gringa GrudentaOnde histórias criam vida. Descubra agora