Prólogo

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Aviso:

A história faz muitas referências ao relacionamento abusivo de Yoongi com Jimin, se representa gatilho para você de alguma forma, não continue a leitura.

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Domingo, 29 de outubro de 20XX.

"Um acidente entre três veículos e uma moto deixou três feridos e um morto na madrugada deste domingo (29), em Seul. A colisão aconteceu em um cruzamento na região de Hongdae.

De acordo com o corpo de bombeiros, um carro em alta velocidade atravessou o cruzamento e foi atingido na lateral pelo segundo veículo, a moto que vinha pela mesma via em velocidade normal não conseguiu desviar da colisão.

O condutor do veículo que avançou o cruzamento, Park Jimin, de 23 anos, chegou a ser socorrido mas não resistiu. Autoridades avaliam se ele estava sob efeito de álcool ou drogas. Os outros envolvidos foram enviados para a mesma unidade médica no centro da cidade, todos encontram-se em estado grave."

Oito horas antes.

Min Yoongi

O mundo era uma confusão de vultos e luzes. Jimin dizia alguma coisa, mas eu não prestava atenção. Estava concentrado em me equilibrar para fazer sumir a sensação de vertigem. Ele gritava.

Nos últimos dias ele andava gritando demais.

— Eu dirijo, você está bêbado — ele arrancou as chaves da minha mão, então eu notei que estávamos na calçada.

— Dá aqui, eu dirijo — eu teimei.

— NÃO.

— Me dá essa porra — eu tentei pegar, mas a essa altura ele já estava dentro do carro.

— Entra logo ou eu te deixo aí — ele chamou com gentileza.

Na avenida alguém buzinou, um filho da puta qualquer que não sabe esperar dois minutos. Eu devolvi o dedo do meio. Mal fechei a porta do passageiro, Jimin arrancou com o carro. Tinha as mandíbulas travadas, os dedos apertavam o volante como se pudessem arrancá-lo do painel. O rosto vermelho e os olhos úmidos indicavam que ele também estava bêbado e estava mais puto que o normal.

Eu era uma geleia inerte jogada no banco passageiro, derretendo aos poucos com o suor gorduroso que escapava pelos poros da minha testa. A boca seca, os olhos cansados das luzes de postes que passavam sobre mim.

Eu queria dizer várias coisas para Jimin.

Queria dizer como eu estava cansado de seu papel de vítima ou da maneira como ele me tratava. Sobre como eu não era capaz de esquecer nenhum insulto que me fazia e sobre a coleção de feridas que ele me causou nesses quatro anos infelizes.

Eu também tinha muito a me desculpar, eu sei quanta dor causei a ele.

Merda, a gente está se destruindo.

Park Jimin, você está me destruindo.

Eu tinha tanto a dizer, mas a única frase que fui capaz de formular foi:

— Você também está bêbado.

Ele respondeu com uma gargalhada sarcástica. Secou as lágrimas que caiam nos olhos e um pouco de catarro que escorria pelo nariz.

— Você é inacreditável, Min Yoongi.

— Que foi, porra? Por que você sempre age como se eu fosse o problema? Se você bater meu carro vai me dar outro...

— Mas você é o problema. Você é doente. Por que você não reconhece que tem um problema? Quantos pinos você cheirou hoje?

— Nenhum. De novo essa merda.

— Quantas vezes for preciso, até você parar com essa porra.

— Quem é você pra me dar lição de moral, Park Jimin?

Ele travou a mandíbula um pouco mais. O pé foi mais fundo no acelerador, meu corpo balançou sem a proteção do cinto de segurança.

— Se você bater meu carro...

— EU VOU JOGAR ESSA PORRA NUM MURO SE VOCÊ NÃO CALAR A BOCA.

Eu ri. Uma gargalhada histérica que estava presa na garganta, eu ri porque já tinha vivido essa cena tantas vezes que chegava a ser engraçado. Ri até a barriga doer. E senti o carro acelerar mais um pouco, era quase como se eu estivesse voando com a cara grudada no vidro. Eu ri até ficar desesperado.

— Joga então. Acaba logo com essa merda. Você é patético, não é o meu nariz que tá sangrando hoje.

Essa foi a última coisa que eu disse antes do mundo inteiro virar de cabeça para baixo num estrondo que feriu meus ouvidos.

Jung Hoseok

Seul é grande e barulhenta. E tem gente pra todo o canto.

É claro que as luzes são lindas à noite, mas eu não gosto desta sensação de ser engolido pela cidade. Aqui tudo é alto demais, opressivo demais.

Jiwoo diz que eu reclamo demais.

Estou há uma semana em Seul e já estou falando como se não pisasse em Gwangju há meses. Mas é assim que eu me sinto.

Gwangju é ensolarada, pequena e familiar. Seul é monstruosa.

Ser um dançarino em Gwangju é completamente diferente de ser dançarino na capital. Todos aqui trabalham muito mais, há muito mais tempo. Ser o melhor em uma cidade pequena do sul não significa nada aqui, onde até os medianos têm contratos com as melhores empresas do ramo.

Eu sou só mais um cara com um troféu de uma cidade insignificante nas mãos. Aqui diz 'Best Dancer' mas não é assim que eu me sinto.

Vir para Seul em busca de uma oportunidade é a última tentativa de alavancar uma carreira artística que já deveria ter começado. A maioria dos caras da minha idade está se formando na faculdade, conseguindo um emprego e saindo da casa dos pais. E eu ainda perseguindo um sonho que ainda parece distante.

A sensação que eu tenho é que ainda preciso correr uma maratona, e eu nem comecei.

Eu tenho talento. Não duvido disso. Eu também sei que danço melhor que a maioria desses caras de Seul que se gabam de terem dançado fora do país. O problema é que o currículo não impressiona muito.

— Você é a pessoa mais talentosa que eu conheço e também a mais persistente — Jiwoo me disse na noite passada — O sucesso é uma questão de tempo.

Talvez ela estivesse certa.

Hoje, depois de tantos nãos , eu finalmente consegui uma audição em uma grande empresa. É a minha chance de trabalhar como coreógrafo e, se tudo der certo, talvez até sair em turnê com os artistas.

Eu sequer voltei para o apartamento alugado, fui direto ao estúdio e passei a noite inteira praticando.

Jiwoo me ligou preocupada. Ela volta para Gwangju segunda-feira, esse é o nosso último fim de semana juntos. Eu prometi a ela que chegaria a tempo de beber alguma coisa com ela. Mas eu me atrasei no treino, ensaiei até os músculos castigados adormecerem.

Essa é a chance da minha vida, não posso deixar que nenhuma imperfeição fique no caminho.

Eu sei que Jiwoo entende.

Por isso, enquanto dirijo, envio um áudio me desculpando pelo atraso. Espero que a essa hora ela já esteja dormindo.

Sigo pela via local em direção a pista expressa. Meus olhos captam o semáforo aberto, eu acelero com tranquilidade.

No painel, o celular vibra. O visor exibe uma mensagem de Jiwoo, eu pouso o dedo no leitor biométrico mas sequer chego a ler a mensagem.

quando me tornei você | jhs+mygOnde histórias criam vida. Descubra agora