Capítulo 5

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– O quê? – Chrysander encarou o médico com uma incredulidade perplexa.

– Pior, ela não se lembra de nada antes disso também. Sabe o próprio nome e pouco mais.

Até mesmo a gravidez a chocou.

Chrysander passou uma das mãos pelos cabelos e xingou em três idiomas diferentes.

– Ela não se lembra de nada? Nada mesmo?

O médico respondeu com um movimento negativo de cabeça.

– Temo que não. Ela está extremamente vulnerável. Frágil. Por isso é muito importante que

não a aborreça. A srta. Jameson tem mais quatro meses de gestação pela frente e um calvário

do qual se recuperar.

Chrysander deixou escapar um som impaciente.

– Claro que não faria nada para aborrecê-la. Apenas acho difícil acreditar que ela não se

lembre de nada.

médico fez um movimento negativo com a cabeça.

– Obviamente a experiência foi muito traumática para ela. Suspeito de que seja uma forma

que a mente encontrou de poupá-la. É apenas um apagão até que ela possa lidar melhor com

tudo que aconteceu.

– Eles… – Chrysander se via incapaz de completar a pergunta, mas ainda assim tinha de

saber. – Eles a machucaram?

A expressão do médico se suavizou.

– Não encontrei nenhuma evidência de maus-tratos de nenhuma forma. Fisicamente falando.

Não há como saber tudo que ela suportou até que esteja apta a nos contar. Devemos ser

pacientes e não pressioná-la, antes que ela esteja preparada. Como disse, a srta. Jameson está

extremamente fragilizada e, se sofrer qualquer tipo de pressão, os resultados podem ser

devastadores.

Chrysander deixou escapar um xingamento baixo.

– Entendo. Eu me incumbirei de que ela tenha o melhor tratamento possível. Agora, posso

vê-la?

O médico hesitou.

– Pode, mas devo aconselhá-lo a não ser muito explícito quanto aos detalhes do sequestro.

Linhas profundas marcavam a testa de Chrysander, que encarava o médico com olhar

sombrio.

– Quer que eu minta para ela?

– Quero apenas que não a deixe nervosa. Pode inteirá-la dos detalhes da vida que ela

levava. Das atividades do dia a dia. Como se conheceram. As coisas cotidianas. No entanto,

sugiro, e confirmei isso com o psiquiatra do hospital, que não se apresse em lhe dar detalhes

sobre o sequestro ou de como ela acabou perdendo a memória. Na verdade, nós a conhecemos

muito pouco, portanto seria imprudente especular ou lhe fornecer informações que podem não

ser verdadeiras. Ela deve permanecer calma. Não quero nem pensar o que outro

aborrecimento poderia causar à srta. Jameson no estado em quem se encontra.

Chrysander assentiu, relutante. O que o médico dizia fazia sentido, mas a necessidade de

saber o que acontecera a Marley era premente. Porém, não a pressionaria se aquilo causasse

algum mal a ela ou ao bebê. Verificou a hora no relógio de pulso. Ainda precisava falar com

as autoridades, mas primeiro queria vê-la, e disse isso ao médico.

MARLEY LUTAVA sob as camadas de névoa que a rodeavam e murmurou um fraco protesto

quando abriu os olhos. Não procurava a consciência. O cobertor escuro que o esquecimento

lhe oferecia era tudo de que necessitava.

Não havia nada para ela no despertar. Sua vida era como um buraco negro. Apenas o

próprio nome atravessara as camadas desordenadas de mente. Marley.

Procurou por mais alguma coisa. Precisava de respostas para as perguntas que a oprimiam a

cada vez que acordava. O passado se estendia como uma paisagem árida diante dela. As

respostas pendiam além de sua consciência, tentando-a, mas escapando antes que pudesse

alcançá-las.

Marley virou a cabeça sobre o travesseiro fino, determinada a escorregar de volta para o

vácuo do sono, quando sentiu uma mão firme segurar a dela. Um arrepio de medo lhe

percorreu a espinha até se lembrar de que estava segura em um hospital. Ainda assim, soltou a

mão e não pôde evitar a respiração acelerada.

– Não pode voltar a dormir, pedhaki mou. Ainda não.

A voz daquele homem se alastrou por sua pele, deixando um rastro de calor em seu encalço.

Cautelosa, ela girou o rosto na direção do estranho. Quem era ele? Será que o conhecia?

Quem a conhecia? Seria ele o pai da criança que se encontrava aninhada em seu ventre?

Em um gesto automático, Marley levou a mão ao ventre abaulado enquanto o olhar focava o

homem que falara com ela.

Era uma presença dominante. Alto, ágil, perigosamente atento enquanto os olhos âmbar a

observavam. Não era americano. Quase deixou escapar uma gargalhada diante dos

pensamentos absurdos. Deveria estar exigindo saber quem ele era e por que estava ali e tudo

que conseguia concluir era que o homem não era americano?

– Nosso bebê está bem – disse ele quando baixou o olhar à mão protetora que ela pousara

sobre o abdome.

Marley não pôde evitar a tensão ao perceber que aquele homem de fato alegava ser o pai.

Não deveria reconhecê-lo? Tentou encontrar algo, algum lampejo de reconhecimento, mas

medo e inquietação foi tudo que encontrou.

– Quem é você? – conseguiu perguntar por fim em um sussurro.

TraiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora