NA MANHÃ seguinte, Marley se encontrava sentada em frente a Chrysander, que a observava tomar o desjejum. Ele anuiu em aprovação quando a viu terminar de comer a omelete que lhe preparara e a estimulou a tomar o copo de suco que pousara diante dela.
A despeito da ansiedade e da insegurança, Marley se sentia bem sendo cuidada por aquele homem, mesmo não tendo certeza de seu lugar no mundo de Chrysander. Embora solícito, lhe parecia distante. Marley não sabia dizer se aquilo era uma deferência à sua amnésia, por não querer assustá-la, ou se o relacionamento dos dois era assim mesmo.
Marley prendeu o lábio inferior entre os dentes e o mordeu distraidamente. A ideia de que aquilo poderia ser comum entre os dois a incomodava. Certamente não desejara se casar com alguém que a tratava de maneira tão educada, como se estivesse lidando com uma estranha.
E ainda assim, para todos os propósitos, os dois não passavam de estranhos. Ao menos Chrysander era um estranho para ela. Uma onda de compaixão a atingiu. Como deveria ter sido terrível para ele saber que a noiva, a mulher que amava e com quem planejara se casar, simplesmente o esquecera como se ele nunca existisse. Não podia se imaginar no lugar dele.
Chrysander a observara atentamente durante todo o desjejum e ela sabia que devia estar deixando transparecer todo seu constrangimento, mas ele não disse nada até retirar a mesa e levá-la para a sala de estar. Em seguida, acomodou-a no sofá e se sentou ao lado dela, observando-a com olhar especulativo.
– O que a está preocupando esta manhã? – perguntou. Os olhos âmbar a estudando, e a expressão do belo rosto a deixando levemente ofegante.
– Estava apenas pensando no quanto toda essa situação deve ser terrível para você.
Uma das sobrancelhas espessas se ergueu enquanto ele inclinava a cabeça para o lado com expressão questionadora. Chrysander parecia surpreso, como se aquela fosse a última coisa que esperasse ouvir dela.
– O que quer dizer com isso? – Marley baixou o olhar, sentindo-se de repente tímida e ainda mais insegura. Ele esticou a mão e lhe tocou o queixo, erguendo-o e a forçando a encará-lo. – Diga-me por que as coisas são tão terríveis para mim.
Quando dito daquela forma, soava ridículo. Chrysander era um homem que podia ter, e provavelmente tinha, qualquer coisa que desejasse. Poder ela presumira que era uma catástrofe o fato de a insípida noiva não se lembrar dele. Aquilo teria sido o suficiente para fazê-la gargalhar se não estivesse se sentindo tão angustiada.
– Estava tentando me colocar em seu lugar – disse ela melancólica. – Como seria a sensação de ser esquecida por alguém a quem se ama. – O polegar longo lhe roçou os lábios, fazendo um arrepio peculiar percorrer a espinha de Marley. – Acho que me sentiria… rejeitada.
– Está preocupada que eu esteja me sentindo rejeitado? – Um discreto brilho divertido bailou nos olhos âmbar, e a insinuação de um sorriso fez curvar os cantos dos lábios de Chrysander.
– Não está? – perguntou ela. E aquilo tinha alguma importância? Marley detestava aquela falta de confiança. Não só as lembranças daquele homem lhe haviam sido sequestradas como também qualquer segurança do papel que representava para ele. Odiava a ideia de não conseguir discutir o relacionamento dos dois por medo de tirar conclusões erradas e fazer papel de boba.
A vergonha estampou um rubor nas maçãs do rosto de Marley enquanto ele continuava a observá-la.
– Não teve culpa do que lhe aconteceu, Marley. Não a culpo e também não nutro nenhum ressentimento. Seria mesquinho de minha parte.
Não. Não conseguia vê-lo como uma pessoa mesquinha. Perigoso. Um tanto assustador. Mas não mesquinho. Tinha medo daquele homem? Marley estremeceu de leve. Não. Não era a ele que temia, mas a ideia de que pudesse ter sido tão íntima de um homem como aquele e não conseguir se lembrar. Não conseguia se imaginar esquecendo tal experiência.
– O que aconteceu comigo? – Uma nota de súplica transpareceu em sua voz. As mãos de Marley tremiam, e ela as entrelaçou com força para disfarçar a inquietação. Chrysander suspirou.
– Você teve… um acidente, pedhaki mou. O médico me assegurou de que sua amnésia é apenas temporária e que é indispensável que você não sobrecarregue a mente.
– Sofri um acidente de carro? – Mesmo enquanto perguntava, Marley baixou o olhar ao próprio corpo, procurando por ferimentos ou hematomas. Mas não sentia nenhuma dor muscular ou rigidez. Apenas uma imensa fadiga e a sensação de desconfiança que não sabia explicar.
Por um breve instante, os olhos âmbar se desviaram. – Sim.
– Oh! Foi algo sério? – Marley levou uma das mãos à cabeça, tateando por algum ferimento. Chrysander lhe segurou a mão gentilmente e a pousou no colo de Marley, mas não a soltou. – Não. Não foi nada sério.
– Então por que… como perdi minha memória? Sofri uma concussão? Minha cabeça não dói.
– Fico feliz por sua cabeça não doer, mas não foi uma batida na cabeça que causou a amnésia.
Marley inclinou a cabeça para o lado e o observou, perplexa. – Então, como?
– O médico explicou que essa é uma forma que você encontrou de lidar com o trauma de seu acidente. Um instinto protetor para poupá-la de lembranças dolorosas.
As sobrancelhas de Marley se aproximaram quando franziu a testa. Lutou, tentando romper a névoa preta e espessa que lhe embotava a mente. Certamente devia haver algo, algum lampejo de lembrança.
– Mas ainda assim não sofri nenhum ferimento – disse ela incrédula.
– Algo pelo qual sou muito grato – disse Chrysander. – Ainda assim, deve ter sido muito assustador.
Um pensamento repentino lhe invadiu a mente, fazendo-a puxar a mão, alarmada. – Alguém mais se feriu?
Mais uma vez os olhos de Chrysander se desviaram apenas por um segundo. Ele esticou o braço e lhe recapturou a mão, levando-a aos lábios. Um ofego suave escapou dos lábios de Marley quando ele pressionou um beijo na palma da mão macia. – Não.
Marley deixou escapar um suspiro de alívio.
– Gostaria de poder me lembrar. Fico pensando que se me esforçar um pouco mais, tudo voltará, mas, quando tento me focar no passado, minha cabeça começa a latejar.
Chrysander franziu a testa.
– Exatamente por isso não gosto de discutir o acidente com você. O médico me preveniu para não lhe causar nenhum aborrecimento ou estresse. Deve esquecer esse acidente e se focar em recuperar as forças. – Ele pousou a outra mão sobre o abdome abaulado de maneira protetora. – Esse tipo de estresse não faz bem para nosso bebê. Você já passou por uma situação ruim o suficiente para o meu gosto.
Marley soltou a mão que ele segurava e pousou as duas sobre a que Chrysander mantinha em seu abdome. Sob os dedos longos, o bebê se mexeu. Ele retirou a mão rapidamente, com uma expressão perplexa a lhe iluminar o rosto.
Marley franziu a testa enquanto o observava curiosa. Ele voltou a espalmar a mão sobre seu abdome, e, mais uma vez, o bebê se mexeu. – Isso é incrível! – Chrysander exclamou. Ao vê-lo tão atônito, Marley não pôde conter um sorriso. Mas, no rastro daquele sorriso, seguiu-se a incerteza. Ele agia como se nunca tivesse experimentado aquilo.
Umedecendo os lábios, ela praguejou contra o fato de não conseguir se lembrar de nada. – Certamente já o sentiu antes.
Chrysander não interrompeu a exploração suave do abdome abaulado. Passou-se um longo instante até que ele respondesse.
– Estou sempre viajando a negócios – justificou, com uma nota de desânimo na voz. – Havia acabado de retornar quando soube de seu acidente. Fazia algum tempo que… não nos víamos.
Marley soltou o ar que estava prendendo, o alívio lhe suavizando a preocupação. O fato de estarem separados por algum tempo explicava muita coisa.
– Acho que não foi a volta ao lar que esperava – disse ela tristonha. – Deixou uma mulher que o conhecia, que estava grávida de um filho seu e com quem planejava se casar e quando voltou, se deparou com uma que o trata como um estranho. – Em um gesto automático, baixou
o olhar aos próprios dedos enquanto falava. Não havia nenhum anel ou aliança. Franziu de leve a testa, antes de voltar a erguer o olhar, tentando fazer a inquietação desparecer uma vez mais.
– Fiquei feliz com o fato de você e o bebê terem se salvado – retrucou ele, mudando de posição de modo a colocar mais distância entre os dois. O olhar ainda se fixando no abdome proeminente, como se estivesse fascinado com o pequeno ser se fazendo presente ali.
Um telefone tocou, e Chrysander se encaminhou ao interfone fixado na parede. Marley se esforçou para ouvir quem estava falando, mas captou apenas a ordem de Chrysander para que a pessoa subisse.
Em seguida, ele retornou e se sentou, tomando-lhe as mãos nas dele.
– É a enfermeira que contratei para cuidar de você. Tenho uma reunião à qual não posso deixar de comparecer dentro de uma hora. Os olhos de Marley se arregalaram.
– Mas, Chrysander, não preciso de uma enfermeira. Sou perfeitamente capaz de permanecer aqui enquanto você cuida de seus negócios.
As mãos longas apertaram as dela com mais força.
– Faça isso por mim, pedhaki mou. Sinto-me melhor sabendo que estou deixando você em mãos capazes. Não gosto de pensar que você possa ter alguma necessidade insatisfeita em minha ausência.
Um sorriso curvou os lábios de Marley diante daquela insistência.
– Por quanto tempo ficará ausente? – perguntou ela, detestando o tom esperançoso, quase pesaroso da própria voz. Soava patética.
Chrysander se ergueu ao ouvir as portas do elevador se abrirem. – Fique aqui. Voltarei com a enfermeira.
Marley relaxou contra o encosto do sofá e aguardou pelo retorno dele. Toda aquela atenção de Chrysander era adorável, mesmo que desnecessária.
Instantes depois, ele retornou com uma mulher sorridente que trajava calça comprida e um suéter. Dirigiu um sorriso luminoso a Marley quando estacou a alguns centímetros do sofá.
– Você deve ser Marley. É um grande prazer conhecê-la. Sou a srta. Cahill, mas, por favor, me chame de Patrice. – Marley não pôde evitar retribuir o sorriso da mulher. – O sr. Anetakis já me orientou sobre o que quer que eu faça e me esforçarei ao máximo para garantir seus cuidados.
Marley focou um olhar expressivo em Chrysander.
– Ah, ele fez isso, certo? Posso perguntar quais foram as instruções que lhe deu? Chrysander conferiu a hora no relógio de pulso com um gesto teatral.
– As instruções foram para garantir que você descanse. Agora, desculpe-me, mas terei de me ausentar por um tempo. Voltarei a tempo de almoçarmos juntos.
– Gostaria disso – retrucou Marley com voz suave.
Chrysander se inclinou e lhe depositou um beijo suave na testa, antes de virar e se afastar. Os olhos de Marley o acompanharam enquanto imaginava como devia parecer pegajosa.
Com muito esforço, conseguiu arrastar o olhar de Chrysander para Patrice.
– Estou me sentindo bem – explicou ela. – Chrysander faz parecer que estou uma completa inválida.
Patrice sorriu e lhe deu uma piscadela.
– Ele é homem. Eles são famosos por se comportarem dessa maneira. Ainda assim, um pouco de descanso não faz mal algum, certo? Vou acompanhá-la até a cama e depois prepararei uma bela xícara de chá para tomarmos quando você acordar.
Antes que Marley se desse conta do que estava acontecendo, a enfermeira a estava guiando em direção ao quarto. Ela piscou várias vezes, quando Patrice a acomodou na cama e arrumou as cobertas em torno de seu corpo.
– Você é muito hábil nisso – disse Marley. Patrice deixou escapar uma risada baixa. – Conseguir que meus pacientes façam o que não querem faz parte do meu trabalho. Agora descanse um pouco para que seu noivo fique feliz comigo e com você quando retornar.
Marley ouviu os sons suaves dos sapatos de Patrice se afastarem do quarto. Quando o ruído se dissipou, relanceou o olhar à lareira na parede oposta da cama. Chrysander acendera o fogo na noite anterior, mais para tornar o ambiente aconchegante do que de fato aquecê-lo, porque o apartamento não era frio. Até mesmo o assoalho era aquecido, o que Marley amava, porque detestava usar calçados dentro de casa.
O pensamento a atingiu ao mesmo tempo em que uma onda de excitação a engolfou. O que mais podia se lembrar de si mesma? Concentrou-se com afinco, mas o esforço lhe fez a cabeça voltar a doer.
O bebê se remexeu e ela baixou a mão para tocar o abdome. O movimento abrandou o desconforto em sua cabeça e a fez sorrir. Apesar da perda temporária de memória, tinha um futuro no horizonte. O casamento e um filho. Desejava apenas lembrar como chegara àquele ponto. Com um suspiro, resignou-se a viver o momento presente. Esperava que suas lembranças retornassem e preenchessem todas aquelas lacunas.
Marley cochilou e, quando despertou, conferiu a hora no relógio sobre o criado mudo, constatando que havia se passado uma hora. Sentindo-se revigorada, atirou as cobertas para o lado, desejando de levantar e andar pela casa. O repouso constante a estava deixando impaciente.
Embora estivesse vestindo um pijama macio, esticou a mão para o robe de seda pousado na e star, onde encontrou Patrice.
Sorriu para a enfermeira e lhe assegurou que estava se sentindo bem quando foi questionada. Patrice anuiu em aprovação e, como se pressentisse que Marley precisava ficar sozinha, se desculpou e se retirou.
Marley aproveitou a oportunidade para explorar a espaçosa cobertura. Caminhou de um cômodo para outro, familiarizando-se com a própria casa. Mas não a sentia como seu lar. Podia ver Chrysander refletido naquele estilo e nas estruturas da decoração e da mobília, mas não conseguia reconhecer nada que tivesse sua marca naquele apartamento. Por alguma razão, aquilo a frustrou. Sentia-se como uma convidada intrometida onde não pertencia.
Quando entrou na suíte principal, as linhas que lhe vincavam a testa se aprofundaram. Chrysander a acomodara no que aparentava ser o quarto de hóspedes. Não pensara sobre aquilo quando ele a pousara na cama e a cercara de confortos no quarto extra. Na ocasião, se encontrava muito abalada e focada em tentar processar tudo que estava acontecendo.
Marley se retirou, incapaz de rechaçar o pensamento de que estava sendo inconveniente. Ao lado da suíte principal, ficava o amplo escritório. Obviamente o lugar onde Chrysander trabalhava. Os móveis eram escuros e masculinos. Estantes de livros adornavam a parede dos fundos e uma enorme mesa de mogno se encontrava postada alguns centímetros à frente delas. Os pés de Marley eram acariciados pelo carpete felpudo, à medida que penetrava no interior do cômodo.
Um laptop descansava sobre a mesa, e Marley se sentou na cadeira de couro, na intenção de navegar na internet. Esperava apenas que Chrysander possuísse uma conexão sem fio, já que não conseguia ver nenhum cabo conectado ao computador.
Tocou o teclado, e o monitor se iluminou. Ao menos ela não era um vegetal inútil e retivera as noções básicas de informática. Por mais frustrante que fosse sua amnésia, sentia-se aliviada em saber que a falta de memória se limitava à sua vida pessoal e não ao mundo contemporâneo.
Marley fez um movimento negativo com a cabeça, aborrecida com o disparate daquela situação. Durante a primeira meia hora, realizou incontáveis pesquisas sobre a perda de memória, mas vagar pelo turbilhão de opiniões conflitantes apenas lhe auferiu uma forte dor de cabeça. Portanto, se concentrou em procurar por informações sobre Chrysander.
Era um pouco assustador constatar o quanto aquele homem era rico e poderoso. Ele e os dois irmãos eram figuras determinantes no ramo da hotelaria. Não havia muitas informações pessoais, pelas quais Marley ansiava.
Recostou-se para trás na cadeira, irritada com a própria covardia. Tudo que precisava era questionar Chrysander sobre a informação que quisesse. Pelo amor de Deus! Aquele homem era seu noivo, seu amante. Geraram um bebê juntos, e ele a pedira em casamento. Se ao menos pudesse se lembrar daqueles momentos, ficaria mais segura de si mesma. – O que está fazendo?
A voz de Chrysander a atingiu como um chicote, fazendo-a se sobressaltar de medo e surpresa. Ela ergueu o olhar para encontrá-lo parado à soleira da porta. A raiva e a desconfiança fazendo faiscar os olhos cor âmbar. Os lábios sensuais apertados em uma linha fina. Ele se aproximou pisando duro, antes que Marley pudesse formular uma resposta.
– Você me assustou. – Ela levou a mão ao peito na tentativa de acalmar as batidas descompassadas do próprio coração.
– Perguntei o que estava fazendo – repetiu Chrysander com um tom de voz frio enquanto contornava a mesa para se posicionar ao lado dela. A mágoa e a incompreensão a inundaram.
– Estava apenas navegando na internet. Achei que não se incomodaria se eu usasse seu laptop.
– Prefiro que não mexa nas coisas que estão em meu escritório – retrucou ele de forma concisa enquanto esticava o braço para fechar o computador.
Lágrimas queimavam os cantos dos olhos de Marley. Ele a encarava com tanta… aversão. Um arrepio lhe percorreu todo o corpo, fazendo-a desejar apenas se afastar daquele homem o máximo possível.
– Desculpe. – Marley conseguiu dizer por fim. – Estava apenas tentando descobrir alguma coisa sobre mim… você… e essa terrível amnésia – explicou, virando-se em seguida e desaparecendo do escritório antes que envergonhasse a si mesma cedendo ao pranto.
Chrysander a observou se afastar, com um xingamento baixo. Em seguida, passou uma das mãos pelos cabelos, antes de se sentar e reabrir o laptop. Uma rápida pesquisa no histórico do navegador da internet mostrou que ela não fizera nada além de pesquisar sobre amnésia e alguns artigos sobre sua empresa. Outra verificação nos próprios arquivos indicou que nenhum dos documentos da empresa fora acessado.
Chrysander praguejou mais uma vez. Tivera uma péssima reação, mas vê-la utilizando o computador o deixara imediatamente em alerta. Naquele momento, imaginara se a amnésia de Marley não seria uma farsa e se ela não estaria tramando traí-lo outra vez .
Apoiou os cotovelos no tampo da mesa e segurou a cabeça com as mãos. A reunião com o detetive encarregado da investigação sobre o sequestro de Marley fora um exercício de frustração.
A polícia tinha pouca informação para seguir adiante, e a única pessoa que poderia fornecê- la não se lembrava de nada.
Marley não fora resgatada como as notícias levaram os telespectadores a pensar. Em vez disso, fora abandonada por seus sequestradores, e um telefonema anônimo alertou a polícia para a presença dela em um prédio de apartamentos em estado precário. Quando lá chegaram, os policiais encontraram uma mulher grávida em evidente estado de choque. Ao despertar, no hospital, ela não se lembrava de nada. Na essência, a vida de Marley começara naquele dia.
Tantas perguntas, tantos fatos desconhecidos!
Entretanto, o que ficara claro para Chrysander era que não podia arriscar a segurança de Marley e não permitir ninguém se aproximar o suficiente para causar algum mal a ela ou à criança. Esperara que as autoridades discordassem quando lhes disse que a estava levando para fora do país. Não que aquilo fosse impedi-lo, porque o bem-estar de Marley figurava no topo de suas prioridades e faria o que fosse preciso para garanti-la.
Em vez disso, eles concordaram que era a melhor opção e o aconselharam a reforçar sua segurança. Queriam ser notificados no instante em que ela recuperasse a memória para que pudessem interrogá-la. Chrysander lhes forneceu seus contatos e avisou que estaria partindo com ela no dia seguinte.
Havia muitas providências a tomar para preparar aquela viagem. Alertara sua equipe de segurança, tanto de Nova York quanto da ilha. Os preparativos estavam em andamento, mas Chrysander ainda tinha vários telefonemas a dar. Ainda assim, a visão das lágrimas de Marley e a mágoa em seu tom de voz o fez parar para refletir. Devia deixar aquilo de lado e dar prosseguimento a seus planos. A segurança de Marley era o mais importante. Quer ela estivesse aborrecida ou não. Embora pensasse daquela forma, Chrysander se descobriu levantando da cadeira e indo ao encontro dela.
MARLEY SE encontrava parada em frente ao closet do quarto que ele lhe designara, observando com olhar vazio a fileira de roupas penduradas à sua frente. Limpou as lágrimas com o dorso de uma das mãos e se concentrou no que vestir.
Vasculhou entre os vários modelos, mas nenhum se parecia com ela. Com a testa franzida em uma expressão tristonha, virou-se na direção da fileira de prateleiras que preenchiam a parte direita do closet e viu uma pilha de jeans desbotados próxima de algumas camisetas dobradas com perfeição.
Esticou a mão para uma das calças jeans, certa de que era naquele traje que se sentia confortável. Porém, quando a desdobrou, constatou que não se tratava de roupas de gestante. Uma rápida procura na pilha restante produziu o mesmo resultado.
Marley procurou entre as outras roupas penduradas no armário e verificou que aquelas também não eram roupas adequadas a uma mulher em um estágio mais avançado de gravidez. Por que não tinha nada para vestir? Baixou o olhar à protuberância do próprio abdome. Embora não estivesse gorda, as cinturas das roupas que lotavam o closet eram muito estreitas para uma mulher com cinco meses de gravidez.
Marley lhe sentiu a presença antes que ele fizesse qualquer ruído. Lentamente, ela girou para se deparar com Chrysander parado à soleira da porta do closet. A expressão se suavizando quando ela limpou as lágrimas do rosto e tornou a virar-se rapidamente. Aproximando-se alguns passos, ele lhe segurou a cintura com as mãos. – Desculpe.
Marley enrijeceu o corpo e ergueu o queixo até lhe encontrar o olhar.
– Não deveria ter tomado a liberdade de mexer em seus pertences. – Ela ergueu uma das mãos e gesticulou para o closet repleto de roupas. – É óbvio que mantemos um estilo de vida bastante segregado. Terá de me perdoar enquanto reaprendo as regras.
Vincos profundos se formaram na testa de Chrysander enquanto ele a encarava com expressão confusa.
– Do que está falando? Não há segregação em nossa convivência. Marley deu de ombros, indiferente.
– A evidência está aqui. Não precisa ser muito inteligente para perceber. Você me acomodou em meu quarto. Minhas roupas estão separadas das suas. Nossas coisas são separadas. Nossas camas são separadas. É de se admirar que eu tenha engravidado – acrescentou ela, engolindo em seco, e prosseguiu fazendo a pergunta que lhe queimava a mente. – Por que está se casando comigo? Minha gravidez foi um acidente de percurso? Por acaso sou alguma vadia que lhe preparou uma armadilha para obrigá-lo a se casar?
Marley soube que soava histérica no instante em que as palavras lhe escaparam dos lábios, mas a dor a estava roendo por dentro. Precisava se certificar, ter algum sinal de que a vida que Chrysander alegava ser dela era feliz e não algo sombrio, repleto de lacunas como os buracos em sua memória. – Theos! Venha comigo. Antes que ela pudesse protestar, Chrysander a estava arrastando do closet e a guiando na direção da cama, onde a sentou e se acomodou ao lado dela. Marley olhou ao redor incomodada.
– Onde está Patrice? – Não queria ter uma discussão na frente de terceiros.
– Eu a dispensei quando cheguei – respondeu ele impaciente. – Ela só ficará aqui quando eu não puder estar, até a nossa partida para a Grécia. Patrice permanecerá na ilha conosco pelo tempo que você precisar dela.
Marley não pôde disfarçar o desapontamento.
– Mas eu não preciso dela e pensei que ficaríamos sozinhos quando chegássemos à ilha.
O semblante de Chrysander deixava claro que aquela era a última coisa que desejava. Mais uma vez a mágoa a atingiu em cheio diante da aparente rejeição do noivo.
– Pode pensar que os serviços de Patrice não são necessários, mas não arriscarei sua recuperação. Sua saúde é importante para mim. – A voz grave se suavizou, e os olhos âmbar perderam um pouco da severidade. – Você está grávida e passou por uma situação muito estressante. É natural que eu queira que tenha os melhores cuidados possíveis. – Marley engoliu em seco e anuiu lentamente com a cabeça. Chrysander a observou com olhar penetrante. – Agora, quanto à minha rudeza de agora há pouco… peço-lhe desculpas. Não tinha direito de falar com você daquela maneira.
Marley resfolegou, fazendo-o arquear as sobrancelhas.
– Acho que rudeza não define o que fez. Agiu como um verdadeiro idiota.
Um rubor se espalhou pelo rosto de Chrysander enquanto ele engolia em seco.
– Sim, tem razão, e lhe peço desculpa por isso. Não tenho nenhuma justificativa. Estive ocupado tomando providências para nossa viagem e descarreguei minhas frustrações em você.
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Traição
RomanceMentiras, sedução e um homem inesquecível.Como se não bastasse Marley Jameson ter traído a confiança de Chrysander Anetakis e estar grávida dele, ela foi acometida por amnésia. A antiga amante do magnata grego vendeu segredos da empresa dele, e depo...