Capítulo I

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I.1. O primeiro encontro

Entrada no meu diário, data: agosto 1996

Era uma noite abafada de mais uma sexta-feira do quente verão de 1996. As ruas da baixa da cidade, onde se situavam os bares e os locais de diversão noturna, obrigatórios naquela estação do calor e das loucuras, estavam pejadas de gente bronzeada, vestida de roupa reduzida e justa. Juntavam-se em grupos faladores e risonhos junto às portas escancaradas, ocupando as mesas das esplanadas. Bebia-se imperial, vodka-laranja, whisky-cola. Música alta saía de cada bar e misturava-se com as gargalhadas e as conversas numa cacofonia indistinta que caracterizava aquele sítio da cidade, numa típica noite de férias.

Só que eu não estava de férias e andava pela rua a tentar partilhar a alegria da noite, a afugentar o sono que me fez, inesperadamente, bocejar. Tinha sido uma semana cansativa de trabalho e, quando o sol se deitara no horizonte, vestira o pijama, estendera-me no sofá e agarrara no controlo remoto, disposta a vegetar em frente à televisão até amolecer e ir, finalmente, viajar para o vale dos lençóis. Mas o telefone tocara e eu cometera o erro de atender. Era a Patrícia, amiga e colega de escola dos tempos do secundário. Tinha regressado da sua viagem a Torremolinos, em Espanha, naquela tarde. A minha amiga podia dar-se ao luxo de ainda não ter começado a trabalhar, o papá pagava-lhe as férias grandes depois de ter terminado, havia um par de meses, o seu curso superior. Não tinha pressas, contava começar a procurar emprego lá para outubro ou novembro, contara-me uma vez. Eu não. Trabalhava havia quase dois anos e aquela era uma noite de sexta-feira para descomprimir de uma semana fatigante.

Num tom descontraído, a Patrícia convidava-me para sair, naquela noite. Pelos vistos, o Miguel também estava no Algarve e tinha trazido com ele uns amigos da capital, Lisboa - era uma ocasião a não desperdiçar. Eu olhara para o relógio, olhara para a janela onde o céu estava escuro. Olhara para a televisão onde começava um programa de variedades, música e entrevistas, o típico programa amorfo para quem desejava vegetar.

- Eu não sei... – respondera.

- Não sabes o quê? Vá, despacha-te! Passo aí dentro de meia hora.

As meias horas da Patrícia significavam duas horas. Dentro de duas horas estaria a dormir.

- Hoje vou ficar em casa – tentei.

- Ana Isabel! Nem penses nisso!

- E porque não?

- Ora, porque é sexta-feira e este dia é sagrado.

- Estou cansada.

- Vá lá, quando estiveres na baixa, passa-te logo o cansaço. Quando vires os amigos do Miguel!... São uns borrachos.

- Eu já conheço os amigos do Miguel.

Do tipo presunçoso, vaidoso e irritante. Não estava interessada em nenhum desses rapazinhos, com ar na cabeça em vez de cérebro, exibindo roupas de marca e sapatinhos de vela. Torci a cara numa careta.

- Ainda estás aí, ou morreste? – Perguntou-me.

- Ainda estou aqui...

- Meia hora, ouviste? E não te atrases ou perdemos o grupo do Miguel. Até já.

- Bem... até já.

Mas a Patrícia já tinha desligado e não ouvira a minha resposta. Não tive outro remédio senão largar o comando remoto da televisão e abandonar o pijama.

Passado uma hora e meia, o que até foi um tempo razoável tendo em conta a tradição, já estava na rua dos bares, com a Patrícia à frente, a abrir caminho. A Carla, a irmã, estava ao meu lado.

O Feiticeiro - Parte II - A Dimensão ZOnde histórias criam vida. Descubra agora