Capítulo III

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III.1. A aparência da normalidade

O sol entrava em catadupas de luz pelo escritório adentro, iluminando as prateleiras repletas de livros de todos os tamanhos e de todas as cores. Um facto interessante naquela viagem entre dimensões fora a sua biblioteca tê-lo acompanhado. Os seus livros estavam todos ali e sempre que precisava consultar algum deles tinha-os perto e não abandonados numa dimensão distante e inacessível.

Gohan pousou a pasta de cabedal na secretária e mais os dois livros que levava na mão. Um era dele. O outro era da biblioteca da Universidade do Algarve.

Fora uma surpresa agradável e complicada descobrir que tinha uma universidade perto da casa onde morava na Dimensão Real. Tudo tinha acontecido um mês depois de ter chegado. Resolvera dar um pequeno passeio pelos arredores e conhecer o sítio onde iria morar durante alguns tempos. Agarrara na bicicleta e saíra de casa.

Gostara daquele lugar à primeira. Era sossegado, relativamente afastado do rebuliço da cidade, com um ambiente campestre cativante, apesar de se situar próximo do aeroporto da cidade. Havia casas, mas afastadas, semeadas por entre o arvoredo das matas circundantes. Para ele, que fora criado no meio da natureza, viver num sítio como aquele, ainda que noutra dimensão, não lhe pareceu tão mau quanto isso.

Nas matas de pinheiros que povoavam o local, Gohan encontrara alguns edifícios belos e imponentes, com uma arquitetura particular que lhe atraiu a atenção. Ao entrar no recinto a pé, levando a bicicleta consigo pelo guiador, descobrira que se tratava de uma universidade. Vira os estudantes, os professores, os investigadores, os funcionários no típico ambiente académico vibrante e sentira-se, subitamente, integrado.

Deambulara durante algum tempo, até que decidira visitar um dos edifícios. Encontrara a biblioteca e entrara. Com muita curiosidade e excitação, apreciara os livros nas estantes, analisara os temas expostos. Ao encontrar a secção de matemática, folheara os manuais dessa disciplina, curioso por perceber que eram exatamente iguais aos que conhecia. Sentara-se, levando alguns livros, enlevara-se na leitura, escalpelando os exercícios. Agarrara em folhas em branco e começara a compilar equações, resolvendo-as, embrenhando-se no desafio. Uma voz aparecera atrás dele:

- Isso é uma forma interessante de resolver esse problema.

Gohan assustara-se. Havia pouco tempo que estava na Dimensão Real e nunca tinha conversado com ninguém daquela dimensão. Como não sabiam ainda o que era interagir, tinha combinado evitar as pessoas dali.

- Desculpe – explicara o outro –, mas estava a passar e não pude evitar deitar uma espreitadela ao problema que estava a resolver. Peço, mais uma vez, desculpa se o estou a incomodar.

- Não... incomoda nada – arriscara Gohan e convidara o homem a sentar-se. Mostrara-lhe a folha.

A conversa desenrolara-se a partir daí. Os receios iniciais sumiram-se quando começaram a discutir matemática. O homem dirigia o departamento da disciplina numa das faculdades e Gohan acabara por confessar que também era professor de matemática. Como resultado, recebera um convite para ser assistente, uma pequena prestação de serviços que cobriria algumas aulas do semestre que tinha começado havia pouco tempo.

Uma proposta tentadora, mas também demasiado proibida. Gohan pensara muito sobre esta, falara com Videl. A mulher opusera-se com determinação àquela ideia disparatada de ser professor de alunos da Dimensão Real. E se isso fosse sinónimo de interagir? Mas ele, com a curiosidade espicaçada, anunciara-lhe que iria arriscar, queria ensinar naquela dimensão, saber se seria diferente da Dimensão Z.

Agora, já o sabia. Não era interagir e não era diferente.

***

O dia estava muito bonito. Gohan admirou-o pela janela do escritório, lembrando-se do seu primeiro dia de aulas. Fora um desastre, porque estava nervoso. Gaguejara como um principiante, vira a troça nos olhares dos alunos perspicazes, notara confusão nos alunos desleixados. Olhara para a plateia, respirara fundo e tal como o tinha feito quando enfrentara Cell, aceitara o desafio como inevitável e necessário. A seguir, tudo correra bastante melhor e no final do semestre sentiu-se especial com a proeza.

O Feiticeiro - Parte II - A Dimensão ZOnde histórias criam vida. Descubra agora