Capítulo X

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X.1. Opções

Entrada no meu diário, data: setembro 1996

Bebi um pouco da água gaseificada gelada, apesar de não me apetecer porque estava com frio e a noite estava fresca, mas não me queria ir já embora. Precisava desesperadamente de tempo, ainda não me sentia preparada. O André levou a imperial aos lábios, deixou junto ao nariz um bigode de espuma. Limpei-o com os dedos e sorriu-me com o gesto. Fora mais instinto que carinho, mas ele não deu pela diferença.

Sexta-feira, começava o meu fim-de-semana inesquecível. Tinha feito uma pequena mala com alguma roupa e artigos de higiene, inventara que iria dormir na casa da Catarina, saíra com o meu carro. Estacionara-o na rua do André, passara para o carro dele. Telefonara à Catarina e pedira-lhe que ela corroborasse a minha história na eventualidade de a minha mãe lhe ligar a perguntar por mim. O André exibira o porta-chaves, com a famosa chave do apartamento do primo de Évora a tilintar diante dos meus olhos. Sorrira e depois lambuzara-me com um beijo. Convidara-me para ir tomar um copo, aproveitar um pouco a noite antes de darmos início ao nosso fim-de-semana inesquecível, e eu aceitara aliviada.

Estávamos na esplanada do bar "O Cofre", na rua dos bares. Naquela noite de finais de setembro, o movimento era bastante diferente da loucura que caracterizava o verão. O ambiente estava composto, para uma noite de sexta-feira e tendo em conta a altura do calendário. Os noctívagos eram, na sua maioria, alunos forasteiros da Universidade do Algarve que haviam regressado à cidade para o início do novo ano letivo. Avistei a Patrícia, ao longe, acompanhada de duas raparigas que sabia serem amigas da Carla. Cumprimentou um rapaz com dois beijinhos, sorridente e descontraída. Agarrei no meu copo de água gaseificada.

- Não é a tua amiga?

- É.

- Não vais falar com ela?

Neguei com a cabeça.

- Porquê?

- Estou contigo.

- Ela ainda estuda?

- Não. Acho que anda à procura de emprego. Quer ir trabalhar para Lisboa, disse-me.

O André caçou-me a mão pousada em cima da mesa.

- Quando quiseres ir embora, diz.

Olhei-o em pânico. Forcei um sorriso. Eu não queria sair dali nunca, não queria começar aquele fim-de-semana inesquecível. Ao contrário dele que estava ansioso para passar a noite comigo.

- Quero ficar mais um pouco, se não te importares – disse eu, estremecendo com um arrepio.

- Estás com frio?

- Não. – Elevei a voz. – Não, André. Até estou a beber uma água gelada, não estou?

- Hum... Escusas de estar à defensiva comigo. Estamos nisto juntos e vamos fazê-lo juntos. Não te vou forçar a nada.

Apanhara as minhas dúvidas. Acreditei que fora por acaso, detestava ser transparente para os outros, até para o André, apesar de ser o meu namorado. Porque se ele me conseguisse ler a alma, veria que eu vacilava porque o meu coração batia por alguém que eu recordava constantemente em todos os minutos daquela noite, nos minutos todos dos dias antes daquela noite. Não me conseguia esquecer de Trunks, nem da estocada fatal de Son Gohan, nem do sonho que, antes de ser maravilhoso, rebolou no abismo negro dos pesadelos.

Sorri, com uma imensa vontade de chorar e desatar a correr pela rua afora.

- Eu sei - respondi.

O Feiticeiro - Parte II - A Dimensão ZOnde histórias criam vida. Descubra agora