Os dois policiais pareciam não se encaixar na nossa sala. Era como uma observar pintura renascentista com adesivos de alienigenas colados em cima. Os uniformes marrons encostados no tecido ofuscante do sofá verde, os coturnos pretos no tapete vermelho desgastado, a luz da tarde que atravessava a cortina amarela e se depositava sobre suas faces e todos os outros detalhes eram de um de contraste absurdo.
Não percebi que estava encarando até sentir seus olhares me encarando de volta. Era como se pudessem ouvir meus batimentos cardíacos, a pulsação da dor em minha cabeça, a gota de suor que descia lentamente por minhas costas. Os dois homens só desviaram o olhar quando minha tia se juntou a nós na sala.
- Café? - Perguntou, trazendo-o consigo em duas xícaras de jogos diferentes que não combinavam entre si. Os policiais aceitaram apenas com um aceno de cabeça.
Anna se sentou na poltrona mais próxima deles tirou o avental que usava na floricultura, sem se importar o quanto ele estava sujo de terra. Seu antebraço e seu rosto também tinham traços de sujeira. O cheiro de terra me atingiu como naquela manhã, lembrando-me do estado em que meu quarto se encontrava.
- Então... - ela chamou a atenção deles para si. - Qual o assunto que disseram precisar tratar comigo?
- Ah, sim - disse o policial sentado mais próximo a minha tia, repousando a xícara de café na mesa de centro sem mesmo tê-la levado aos lábios uma vez. - É sobre Korian, seu sobrinho
Levantei com tanta força que a cadeira caiu pra trás, o barulho óbviamente chamou toda a atenção do aposento. O que eu poderia fazer para...
- Alguém teve um dia cansativo - disse o policial sentado na parte do sofá mais próxima do corredor. Ele era mais alto que o outro e sua voz incrivelmente mais suave, porém com igual profundidade. - Beba uma água, guarde sua mochila. A gente vai falando com sua tia enquanto isso.
Ele falava apontando para as escadas, na direção do meu quarto. Parecia mais um ultimato que um pedido, obedeci de qualquer forma. Nem questionei o fato de ele sequer saber a direção do meu quarto, a polícia de Colina Orquídea possui uma reputação a nível nacional por seu êxito no combate a crimes, muitas vezes tendo sua força tarefa emprestada a cidades de Estados vizinhos pela sua excelência em resolver casos empacados ou complicados demais. Já era algo comum ouvir o nome da delegada no noticiário da noite enquanto o âncora falava sobre mais um mistério solucionado. Talvez fosse por isso que a cidade estava tão abalada com os recentes desaparecimentos de jovens. Dois meses era tempo demais sem resposta, algo sem precedentes para a policia local.
Subi as escadas sentindo um aperto na barriga, eu vomitaria se tivesse comido algo mais cedo. E só de pensar no estado em que encontraria meu quarto me da vontade de vomitar novamente.
Subi as escadas, virei à direita. Parei em frente à porta e respirei fundo. Ainda conseguia ouvir as pessoas na sala como se não tivesse trocado de andar. Suspiros surpresos da minha tia, palavras secas do policial menor, pequenos elogios do policial maior. Me preparei para rever a imagem que tinha captado quando acordei, flashs das marcas vermelhas e borrões marrons passaram pela minha cabeça. Respirando fundo, entrei no quarto arruinado.
Ele estava perfeito.
A luz alaranjada do Sol prestes a se por entrava pacífica pela janela e banhava todo o cômodo, zombando da minha cara. A cama estava arrumada, lençóis e fronha trocadas, a armação até parecia nova. Não havia sinal de terra, sangue ou nada parecido em lugar algum; os móveis brancos brilhavam, a prateleira com os poucos livros milimetricamente organizada. O chão de taco parecia recentemente encerado, o que disfarçava alguns arranhões na madeira. Tudo isso quase me fez saltar pra trás, os sentimendos de alívio, surpresa, medo e confusão giravam como ingredientes em um caldeirão ao meu redor devido aquela visão.
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Lua Púrpura (Romance Gay)
WerewolfLobisomens são reais. Na verdade Licantropos, como preferem ser chamados. Eles vivem entre nós e se parecem conosco: amam, sofrem, superam... porém possuem sua própria sociedade, hierarquia, religião e costumes. Em dois meses, 3 adolescentes desapar...