Os primeiros dois dias em casa foram bem tranquilos.
Passei horas basicamente assistindo à séries e desenhos antigos deitado na cama, isso quando não estava comendo todo tipo de porcaria que encontrava (na maioria das vezes, as duas coisas ao mesmo tempo).
Depois de tudo o que aconteceu, minha tia fez o possível e o impossível para atender meus pedidos, ela até me trouxe hambúrgueres - e os de verdade, não aquelas aberrações veganas que imitam carne. Talvez eu tenha abusado um pouco, mas precisava mais daquilo do que podia expressar. Desde que saí do hospital meu apetite têm aumentado de uma maneira surreal. É até vergonhoso pensar que, enquanto minha tia fritava os hambúrgueres, eu encarava a carne crua com mais desejo ainda.
Anna chegou a fazer uma ligação para o hospital e perguntar se toda a minha fome era algo normal. Após alguns minutos em espera para falar com Dr. Jonas (o mesmo médico alto e bonito que me atendeu), ele respondeu apenas um "sim" seco e sem mais detalhes.
Ainda assim, comer é melhor que sonhar.
Desde o ataque venho tendo péssimas noites de sono. Sempre que encosto a cabeça no travesseiro tenho uma série de pesadelos onde revivo o ataque várias vezes. Na maioria dessas vezes eu sou eu mesmo sendo dilacerado repetidamente por garras e dentes, nas outras, eu sou a criatura que ataca e destroça o jovem na minha frente. Desses sonhos eu sempre acordo tremendo, assustado e chorando.
E com fome.
. . .
No terceiro dia, não consegui ficar na cama.
Despertei no momento em que o primeiro raio de sol atravessou minha janela e iluminou meu quarto. Algo ascendeu dentro de mim, uma parte sedenta para fazer algo além de vegetar e assistir tv.
Olhei em volta do meu aconchegante quarto. Não era grande, mas era muito confortável. As paredes pintadas em amarelo claro combinavam com os lençóis da cama e com meu humor, porém a tinta era tão velha que estava descascando.
Me aproximei para puxar uma lasca que estava pendendo da parede quando tropecei em um antigo dinossauro de brinquedo largado pelo chão ao lado de um pacote velho de biscoitos.
Minha nossa senhora... isso aqui está um chiqueiro, pensei enquanto ponderava sobre fazer uma faxina. E fiz.
Acabei arrumando o quarto inteiro. Guardei antigos brinquedos no baú - que são mantidos apenas por apego emocional -, dobrei as roupas de cama, puz a roupa suja no cesto, reorganizei meu guarda roupas, varri o chão (uma quantidade considerável de parafusos constuma aparecer nele, sem nenhuma explicação) e troquei minha escrivaninha e cama de lugar com a sensação de que dormiria melhor se ficasse embaixo da janela.
A agitação antes mesmo da primeira refeição do dia fez minha barriga reclamar. Sendo assim, desci e tomei café da manhã (duas vezes). Anna já havia ido para a Flores de Colina, sua floricultura.
Durante esses dois dias fiquei juntando coragem pra conversar com ela sobre as cicatrizes e que algo muito estranho estava acontecendo comigo, mas quando parti em direção à floricultura depois do café para conversar com ela o diálogo foi quase assim:
"Anna, tenho me sentido estranho e acho que todas minhas cicatrizes sumiram"
"Você ainda tem umbigo?"
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lua Púrpura (Romance Gay)
Loup-garouLobisomens são reais. Na verdade Licantropos, como preferem ser chamados. Eles vivem entre nós e se parecem conosco: amam, sofrem, superam... porém possuem sua própria sociedade, hierarquia, religião e costumes. Em dois meses, 3 adolescentes desapar...