Capítulo Trinta e Dois: soldados.

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No início daquele ano Tristan estava ocupado com o trabalho no fim de semana, terapia nas segundas e Osmar lhe ensinando a dirigir todos os dias às cinco horas, após passear com Zion.

Na terceira consulta com a doutora Geovana, Tristan contou a ela sobre o trabalho de salva-vidas que ele almejava. Não gostava mais de catar os lixos e sempre voltava com dor nas costas, mas confessou seus temores:

— Eu não me sinto confortável, parece que estou me aproveitando de alguém, entende? — ele queria fazer sentido, mas a doutora o encarava e assentia, lhe acompanhando no raciocínio.

Geovana o encarava com atenção e sabia que ele era um adolescente diferente de diversos que haviam pisado naquele consultório, a maioria resignado de falar qualquer coisa a ela, mas Tristan demonstrava a confiança que ela queria em seus pacientes. Tentou lhe explicar que aquilo fazia parte do trabalho, que era melhor fazer algo do que ficar apenas olhando. Tristan entendia, teoricamente, mas não sabia se teria coragem de colocar em prática.

— Tudo tem o seu tempo, Tristan — ela sorriu, tentando soar empática, embora nunca fosse compreender o que era viver na pele de Tristan, sem saber bem em quem confiar àquela altura.

Ele teve um progresso conforme conversavam, sentia que Eleanor não tinha mais como pegá-lo, mas às vezes seus pesadelos recorrentes eram perturbadores como as mãos da sua tia em cima dele. Tristan contou dos pesadelos e Geovana lhe assegurou que eram apenas sonhos e seu inconsciente querendo lhe deixar mais alerta.

Tristan estava sempre alerta.

*

Os dias ao lado de Seth fizeram Sawyer conhecer todas as personalidades e problemas do irmão. Todas as noites era uma surpresa: pra onde iriam? O que Seth buscaria? Em noites que Sawyer era dispensado, tendo de voltar sozinho para o bairro, ele sabia que o irmão faria algo que ele não teria estômago para ver. Sawyer não era inocente, sabia que seu irmão havia feito muita crueldade, por isso ele continuava daquele jeito, cada dia pior.

Mas Sawyer não podia dizer nada, nem quando escutava o irmão ameaçando alguém de morte. E ele sabia que não ficava apenas na ameaça. Os segredos de Seth morreriam com ele e por causa de tudo que Sawyer decidiu desde a morte de Jonas, morreriam com Sawyer também.

Sawyer era um cúmplice, afinal de contas. Se algum dia ele decidisse entregar Seth, sabia que levaria a mesma punição, mas ele sabia que dedurar ou agir pelas costas do irmão estavam fora de cogitação.

Apesar de tudo, ele tinha medo de Seth morrer em um desses trabalhos, ele era odiado por muita gente, mas a porcentagem que o temia era maior. Então Sawyer apenas obedecia. Fechava os olhos e ignorava quando precisava. Assim como entregava e buscava encomendas quando Seth estava sentindo-se ameaçado. Ele não se importava caso o irmão levasse o castigo por ele.

E àquela altura, depois de ver e vivenciar tanta coisa, algo dentro de Sawyer morreu. Talvez o desejo de viver ou o medo da morte, que, pensando bem, ele nunca teve. Por isso – e porque ele não podia – Sawyer não reclamava, apenas agia.

Nas horas de folga, principalmente à tarde antes das cinco, ele ia à lanchonete, só para lembrar-se de que ainda era um garoto e tinha amigos com empregos normais. Às vezes Keith e Aiden estavam ocupados demais, mas Sawyer apenas ficava sentado lá, mordiscando porções de batata ou calabresa enquanto esperava a hora do seu trabalho.

Aiden percebeu o quanto ele estava diferente, mas nunca falava nada. Quando conversavam à noite no telefone não falavam sobre as preocupações, mas sobre o futuro. Era bom quando Sawyer era apenas um garoto apaixonado que não tinha que trabalhar logo depois de falar com seu amado. Mas ele precisava levantar da cama, dar boa noite a Aiden e cruzar a cidade com o irmão, ou com algum motorista qualquer.

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