Comecei a segunda versão de J S.
Aqui está o que poderia ser o começo [ainda é uma versão rascunho].
DEZEMBRO 1998
01
Samuel enfiou o salgadinho dentro do bolso da calça, mas o barulho do saco fez o vendedor na loja de conveniência notá-lo. Percebeu a cabeça careca pelas prateleiras até chegar perto de onde ele estava. Saulo se aproximou mais rápido.
— O que estão aprontando? — indagou, demorando o olhar no casaco cheio de bolsos e fora de época que Saulo usava.
— Nada — Saulo deu de ombros. — Trouxe meu irmãozinho pra escolher alguma coisa pra comer.
O homem os analisou demoradamente, tentando descobrir se estava falando sério. Samuel se mexeu levemente e o barulho do salgadinho em seu bolso foi percebido devido o silêncio da loja. O careca estreitou os olhos para eles e enfiou a mão no bolso da calça de Samuel, retirando o salgadinho "torcida" sabor churrasco.
— Pretende pagar com cartão ou dinheiro? — Arqueou a sobrancelha, com ar superior os encarando com o nariz empinado.
Samuel cerrou os punhos, a unha desnivelada apertando as mãos em um desespero silencioso, não pelo castigo do vendedor, mas pelo que receberia depois.
— Poxa, Samuca! — Saulo riu, empurrando o irmão sem delicadeza, esbarrando nos produtos da prateleira. — Me avisasse que queria isso, não precisava roubar!
— É bom ensinar seu irmão. Tá cheio de tampinhas que nem ele assaltando as lojas. — O vendedor pegou o salgadinho da mão de Saulo e se encaminhou até o caixa, presumindo que eles os seguiriam.
O seguiram. Samuel não deixou de notar as costas enrijecidas do irmão à sua frente, a cabeça raspada curvada para baixo.
Saulo pegou a nota de dez reais solta dentro do bolso da calça jeans, toda amassada.
— Gosta do torcida de churrasco, então? — Saulo ergueu as sobrancelhas para o irmão, tentando parecer divertido diante o desconhecido, mas Samuel conhecia o sorriso demoníaco e os olhos cerrados em desprezo.
— Tem bom gosto o menino. — Entregou o troco para Saulo, junto com a sacola com o salgadinho dentro.
— O Rubens não tá mais trabalhando aqui? — Saulo perguntou, observando a loja vazia.
— Ele trabalha à noite. — O homem analisou Saulo com mais atenção e interesse. — Mas sei dos métodos dele e da próxima vez pode passar direto aqui — piscou.
Samuel observou os dois conversando tentando entender o que diziam, mas percebeu como Saulo ajeitou a postura e pigarreou, incomodado.
— Certo!
Saulo saiu da loja. Samuel permaneceu.
— Quer mais alguma coisa, pequeno?
— Vem, Samuel — Saulo gritou e Samuel sentiu o timbre de sua voz passar por cada centímetro de pele dele, mesmo à distância.
Samuel correu, mas tentou correr passando reto por Saulo.
Não teve tanta sorte.
Saulo o agarrou pela gola da camiseta, apertando seu pescoço com força e o puxou para o beco entre duas casas da rua.
Abriu a sacola com o salgadinho. Samuel se afastou, pressionando as costas na parede de tijolos esburacados.
— Gosta desse salgadinho, é? — Saulo abriu o pacote e o cheiro invadiu as narinas de Samuel. Não teve tempo de agir, só sentiu a mão do irmão o segurando para não se mexer enquanto despejava o pacote inteiro dentro da boca dele.
Samuel sentia a boca doer e a garganta queimar. Tentou cuspir e vomitar e Saulo apenas o observou com um sorriso de prazer no rosto. Ao terminar de engolir tudo, sentindo a garganta raspar, Saulo o segurou pela cabeça raspada e esfregou seu rosto no vômito amarelado.
Lhe deu um chute na costela e o segurou pelo pescoço fino.
— Nunca mais me faça ser pego roubando — disse pausadamente, a boca encostada no ouvido dele, as gotículas de cuspe não eram nada perto do vômito em sua face.
Em dez anos de vida, Samuel não recordava-se de um dia onde não apanhou do irmão. Ele até preferia ser afogado no próprio vômito a receber os chutes e cotoveladas de Saulo.
Quando ele terminou e Samuel continuou deitado, deu-se por satisfeito e pegou a garrafa de vodca dentro de um de seus milhares de bolsos do casaco. Abriu, bebeu um gole e jogou um filete de bebida na cabeça de Samuel antes de se afastar, se deleitando com a garrafa de 51.
Samuel só levantou quando percebeu o rabo longo de um rato à espreita. Se ergueu do chão com dificuldade. O dia deu lugar a uma noite ainda mais quente e o chão pegava fogo sob suas palmas. Se encolheu de dor e tirou a camiseta, limpando o rosto sujo e a jogou pelo lixo do beco, fazendo o rato correr para se esconder.
Caminhou com os passos lentos e tentando se endireitar, mas a dor na coluna o impedia de fazer qualquer movimento.
Alguns garotos na rua pararam de jogar bola para deixá-lo passar.
— Samuel apanhou de novo — um deles comentou, rindo. E outro jogou a bola de futebol murcha em suas costas, o que o fez arquear de dor, mas segurou o choro e os berros com uma engolida seca.
Pelas casas percebia a vizinhança fofoqueira bisbilhotando, cochichando entre eles, mas ele ouvia os cochichos como se fossem segredos ditos ao pé do seu ouvido. "Ladrãozinho", "garotinho selvagem".
Chegando na rua 2 pôde suspirar aliviado, enfim estava perto de casa e poderia deitar-se. Mas algo lhe chamou a atenção na casa vizinha, onde Samuel ouvia gritos desesperados toda noite, mas seu irmão lhe ensinou a não se meter onde não era chamado. Porém, o choro não vinha de dentro da casa naquela noite.
O menino estava encolhido no chão de terra batida. Sua pele brilhava palidamente contra as luzes dos postes. Uma delas piscou à distância e Samuel deveria ir para a casa, mas se agachou à frente dele e o cutucou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
BADLANDS | ✓
Novela JuvenilInseparáveis, talvez pela característica em comum da péssima relação com suas famílias, os jovens Keith, Aiden, Sawyer e Tristan cresceram juntos. Sobreviventes, encontraram entre si refúgios de suas realidades cruéis, ainda se tratando de suas próp...