SABRINA

102 4 0
                                    

    Passo o dia do natal esperando meus pais me ligarem. Leio metade um livro de romance e só a noite meu celular toca, quando Carol já chegou em casa.

- Alo? - Digo sem o menor animo

- Oi filha - a voz do meu pai me surpreende

- Pai? Não esperava que você fosse ligar

- Sua mãe ia me chutar para fora de casa se eu não ligasse - ele diz rindo, mas não vejo a menor graça. Minha mãe tem que ameaçá-lo para ele falar comigo? Que porra é essa? - como você está?

- To bem na maior parte do tempo. E vocês?

- Tudo certo... estou de férias da ESPN - ele pigarreia - você está trabalhando?

- Sim lá na lanchonete como sempre - respiro fundo e tomo coragem - Sei que não puderam ir, mas...você assistiu o campeonato? Sei que a mãe viu, ela ligou para o Chad

- Eu vi umas partes - ele responde após alguns segundos - mas vi o seu programa, estava indo bem até errar, como sempre - sinto o desgosto em sua voz.

- Estou treinando muito para melhorar, to dando o meu máximo.

- É o que eu sempre te disse desde que você nasceu Sabrina: dar o seu melhor não é suficiente, de mais do que isso - fico em silencio e ele continua - enfim, eu e sua mãe estamos desejando feliz natal para você e Caroline.

- Feliz natal pai - sussurro e desligo.

    Sinto as lagrimas brotarem em meus olhos e respiro fundo. Escuto passos no corredor e Carol surge. Ela se senta ao meu lado no sofá e me abraça, fica ali por muito tempo até que choro tudo que preciso chorar, ela sabe como meu pai é duro comigo e nem preciso contar para ela o que ele disse, ela já até imagina.

    Eu gosto desse limbo em que ficamos entre natal e ano novo, quase não temos clientes na lanchonete, o rinque também fica vazio pois estamos de férias da aula, então consigo ir treinar tranquilamente, tendo o gelo todo para mim. Fim de ano é uma benção, seja pelo encerramento do ciclo ou pela tranquilidade que temos por alguns dias. Quando eu morava com meus pais essa era minha época favorita do ano, meus pais estavam de folga e nós viajávamos, as vezes para lugares quentes, as vezes lugares frios. Que por sinal era o meu favorito, mesmo passando 90% do ano no gelo. E eu amava viajar porque meu pai virava outra pessoa, ele não exigia nada de mim, não gritava comigo, não dizia que eu era uma decepção constante. Ele só brincava comigo e cuidava de mim, o que todo pai deveria fazer.

    Chego de um treino pesado em casa e Carol está na cozinha, tudo o que temos nos armários está fora, numa grande bagunça.

- Oque você ta fazendo? - Ela toca no airpods na orelha e me olha

- Tava entediada e resolvi fazer uma limpeza - ela responde e a olho feio

- Cara você é muito estranha - ela ri - posso usar o carro?

- Claro Sabri, a chave ta em cima da mesa - assinto e vou para o banho. Coloco meu uniforme do trabalho, pego minha bolsa com uma muda de roupa e um livro que estou lendo, caso fique sem ter o que fazer lá, o que é bem provável.

- To saindo Carol, depois vou encontrar com o Jake - digo saindo e acho que ela não me ouviu com os fones.

Dirijo calmamente até a lanchonete e estaciono a Mercedes preta de Carol na vaga de funcionário. Entro pela porta dos fundos e como já esperava, o lugar está silencioso, apesar de um casal de idosos tomando café com panquecas.

- Oi Carl - ele tira os olhos do jornal e me olha

- Oi Sabrina - ele se levanta - acha que consegue ficar sozinha hoje? Sasha disse que não está se sentindo bem - eu ergo uma sobrancelha e ele ri - tenho certeza que está de ressaca - ele meneia com a cabeça - esses jovens...

Frosty HeartsOnde histórias criam vida. Descubra agora