Olhos Temerosos

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 As lâmpadas esbranquiçadas eram as únicas fontes de iluminação naquele hospital luxuoso. Tão requintado que o tornava exageradamente vazio. O local, límpido como louça, mantinha-se silencioso; ausente de qualquer ruído que pudesse atrapalhar os doutores que lá trabalhavam. 

Aquele era apenas um dia comum para Sebastian. Nada diferente do habitual. 

Já tinha um bom tempo desde que começou a trabalhar no ramo de psiquiatra, então sabia exatamente como seriam seus novos casos. E possuía ciência de que, principalmente, deveria se concentrar em seu desempenho. 

Afinal, sempre fizera assim. E apenas dessa maneira, conseguiu o destaque que o rodeava atualmente; trazendo consigo o respeito.

Sebastian era respeitado ali, e isso não se podia negar. 

Conhecido como um dos melhores psiquiatras da Inglaterra - do mundo, em certos casos - tinha pacientes delicados de lidar. Sempre foi dono de uma inteligência superestimada e isso conseguiu chocar, sem demora, todos à sua volta.

 Desde então, ele é conhecido como o número um. 

A inveja dos outros nunca feriu sua honra e dignidade no auge de sua carreira. Muitos o amavam tanto quanto o odiavam. Habitualmente, não costumava manter contato com tantas pessoas, exceto seus colegas de trabalho; por mera obrigação. 
        Contudo, para Sebastian, nada era tão divertido. Nada possuía cor, nem empolgação, principalmente em suas circunstâncias. E, sinceramente, com toda a inteligência que possuía, nada era tão surpreendente. 

O mesmo mora em uma mansão em South Kensington, um lugar muito charmoso e sofisticado em Londres. O que dizer sobre a Inglaterra? Sempre foi seu lar. O local onde iniciou sua carreira, montou seu legado, e ofuscou todo o passado.

O de cabelos negros tem uma enorme obsessão por gatos, o que o incentivou quando decidira adotar diversos gatos e inaugurar um abrigo para que pudessem estar salvos de qualquer dificuldade e perigo.

Aos olhos das pessoas, ele é apenas um médico extremamente eficiente e dedicado. E absolutamente ninguém buscava saber mais sobre o que havia debaixo daquelas luvas brancas e jaleco impecável. 

O seu principal objetivo, naquela manhã, era conhecer seus novos pacientes. E sua posição, obviamente, o permitia escolher qual seria o próximo. 

Porém, daquela vez, precisaria escolher com cuidado. 

Tivera sua atenção desviada, quando percebeu que apenas um deles era de outro país: 

Nikolai Evanoff. 

Esse nome... tinha o intrigado no mesmo instante em que lhe foi informado.

Quando tomou em mãos a ficha, tendo a chance de observar, pela primeira vez, sua foto, pôde reparar no cabelo cobre médio que entrava em contraste com olhos azuis-claros.

Medo. Foi o que pôde observar. Aquele menino estava com medo; nervoso.

Sua curiosidade a respeito do que aconteceu ao garoto, logo foi sanada quando lera o restante da ficha.

“Interessante…”

Aquele era o tipo de paciente almejado por Sebastian desde o início de sua carreira. Talvez aquela chance fosse única; e não poderia perdê-la. Andou, sem pensar duas vezes, através do corredor, indo até sua sala para aguardar a chegada do garoto. Antes mesmo de alcançar o local, ouviu uma voz baixa chamar por seu nome: 

— Sebastian... acabei de terminar a consulta com minha paciente. Qual foi sua nova escolha?

Vincent Phantomhive, outro renomado médico da área. Assumidamente simpático, porém, um tanto quanto retraído. Talvez, a única pessoa que ainda fizesse questão de escutar naquela hospital. 

— Ninguém importante. — disfarçou Sebastian — Apenas um garoto com traumas familiares. 

— Entendo. Então… boa sorte com o paciente. 

 Após prosseguir com seu caminhar apressado, revirou os olhos ao sair da vista do ‘’amigo’’. Não iria revelar os reais motivos pelos quais estava tão empolgado para a chegada de Nikolai. 

Ao menos se quisesse que tudo desse certo. 

  Por mais que trabalhasse ao lado de Vincent durante longos anos, algumas coisas precisavam ser omitidas. Verdades de difícil compreensão, porém, inevitáveis

Quando menos se deu conta, já havia chegado em sua sala, que cheirava à limpeza, como sempre. O mínimo para alguém de seu renome.

Pusera seu jaleco e, ao se acomodar, continuara olhando fixamente para a imagem do menino. O que permanecia transmitindo uma expressão de pânico à cada instante. De fato, estava ansioso para conhecer os motivos daquele olhar. 

 Por que estava tão assustado?

Alguns segundos se passaram. Não muitos. Na realidade, foram poucos, mas estava tão concentrado em absorver os mínimos detalhes daquele caso, que mal se deu conta quando o telefone tocou à sua esquerda:

— O paciente acordou, doutor. — A voz da enfermeira soou respeitosa, como sempre. De fato, as vezes cansava-se de ser tratado daquela forma. — Vou estar levando-o ao senhor em poucos minutos.

— Obrigado. Estarei aguardando. — Respondeu, simpático. 

Era o momento. A hora, como qualquer outra naquela vida repetitiva, em que conheceria seu novo paciente. E, aparentemente, estava mais ansioso que o normal. 

— Com licença...

A porta se abriu, de repente, e seus olhos não encontraram outra direção. A não ser, os azuis que desviavam constantemente dos seus. O garoto caminhava com a cabeça abaixada, preenchendo os locais por onde passava com aquela observação nervosa e inquieta.

Nikolai Evanoff. 

Seu semblante, pessoalmente, parecia ainda mais confuso e acanhado do que na foto. Normal para um paciente com tantos traumas. Porém... curioso

— Muito obrigado, Angela. — Agradeceu à enfermeira. — Entre, Evanoff. Sinta-se à vontade para sentar onde quiser. 

Sebastian sabia, acima de tudo, que tornar o ambiente um lugar agradável era o passo inicial para que Nikolai sentisse-se a vontade. 

E o conforto era essencial para que pudesse ouvi-lo falar. Falar exatamente o que queria escutar. 

Durante o diálogo, o garoto demonstrou leve desconfiança. Seus olhos rondavam o lugar, talvez, em busca de algo que o confortasse; ou que o fizesse entender o que de fato estava acontecendo.
      Porém, Sebastian tentou ao máximo esvair toda a tensão da situação. Precisaria ser, para Nikolai, seu único feixe de luz em meio àquela escuridão caótica. 

Objetivo alcançado. Não totalmente, mas foi o que esperava para uma primeira consulta. 

— Tudo vai melhorar, eu garanto. — Dissera, em um tom suave a acolhedor, ao perceber que o rapaz ainda parecia nervoso. — Agora você tem apoio e uma pessoa em que pode confiar seus sentimentos. 

Notou os olhos de Nikolai se fixarem nos seus, pela primeira vez naquele dia. Como se, por um segundo, todas as guerras dentro de sua cabeça houvessem sido pausadas pelas palavras que dissera. 

Era aquele o exato efeito que buscava. 

— Nos vemos na próxima sessão, Evanoff.

Então, quando a porta se fechou à sua frente, liberando o vento que acalmou aquele lugar tenso; Sebastian soube que não havia errado em suas suposições. Aquele era de fato o paciente que sempre procurara. Os motivos? Não precisavam ser relembrados no momento. O doutor apenas soube que, um dia, toda aversão de Nikolai evaporaria em apreço. Transformaria as dúvidas em certezas, e o medo na mais genuína confiança. 

 Confiança. O toque principal. 

E ao respirar profundamente aquele ar gelado, milimetricamente perfeito, como todas as coisas devem ser - ao menos em sua visão,  de alguém que se julga certeiro em tudo - soubera que não apenas seria a luz que guiaria Nikolai naquela escuridão.

E sim, que o próprio garoto poderia ser seu caminho para a aclamação.

Continua...

Dancing with the Devil | Sebastian MichaelisOnde histórias criam vida. Descubra agora