CAPÍTULO 2 - VIDA VERDEJANTE

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- "Droga... não consigo correr." - murmurou cansada.

O corte era mais fundo do que imaginava. Sabia que não tinha acertado a veia femoral pois, caso fosse, provavelmente já estivesse morta. Experiente em sobrevivência, utilizou-se do machucado para caminhar em direção contrária de onde realmente queria ir, deixando um rastro de sangue. Deu uma pausa e mastigou algumas folhas de Rosa-Ébano para manter-se acordada. Além de suas propriedades medicinais, possuía um gosto extremamente azedo. Cuspiu a goma preta formada na boca em sua perna esquerda machucada.

De sua vestimenta, rasgou um extenso pedaço de pano e deu três voltas em sua coxa, no local do ferimento, para estancar o corte e rasgou as sobras do tecido que ficou no nó para limpar a perna. Arrancou um galho com bastante folhas e, com o braço esquerdo flexionado para atrás do corpo, na lombar, o segurou virado para baixo e foi para a direção onde realmente queria ir, fazendo com que as folhas arrastadas no chão apagassem o rastro de sua pisada.

Seu nome era Hardwcha. Druida criada na floresta, sua comunidade estava sofrendo baixas por conta de uma doença desconhecida e pelo desaparecimento de alguns membros. Na região habitada, afastada da civilização, foram identificadas criaturas misteriosas de imenso poder mágico que, até então, não residiam naquele local. 

Assim, o grupo Sguad - guerreiros da tribo - foi averiguar a causa, descobrindo então que uma espécie de Fenda havia surgido. Era um Portal dimensional. Raro evento, pouco se sabia sobre tal acontecimento. Os anciões da tribo mencionaram 2 possibilidades: um desastre natural através da concentração de mana em um determinado ponto ou uma ação proposital de alguma pessoa ou grupo. Apesar das dúvidas, uma coisa era certa e compartilhada por todos: tomar uma atitude.

Passados alguns dias, notou-se uma mudança drástica na fauna. Além disso, pelo risco, as caçadas matinais foram deixadas apenas para os mais habilidosos, resultando em uma diminuição radical dos alimentos. Pra piorar, as pessoas fragilizadas, devido a algum problema ou pela idade, como crianças e idosos, contraiam uma doença desconhecida e fatal. Ademais, como sua irmã mais nova, Leuada , que sofria de problemas no coração, contraiu a doença e estava dentre os de estado mais grave.

Hardwcha, que sempre cuidou de sua irmã após a morte dos seus pais, não podia ignorar o que estava acontecendo e quis se juntar ao Sguad para lutar contra os monstros e fechar a fenda. Entretanto, apesar de ser extremamente habilidosa, ainda não tinha mostrado seu valor em batalha para pertencer a tal categoria. Com isso, ela foi recusada e ordenada a prestar assistência na produção de remédios e auxiliar nos cuidados dos feridos e doentes. Assim o fez.

A noite chegou e uma sonolência atravessou seu corpo. Ainda que tivesse um físico forte e resistente, estava exausta. Como sanguessugas, seu mental e emocional exaurira até a última gota espremida de energia. Conhecidos desparecendo, falecendo e sua irmã piorando, fazia o desespero crescer dentro dela. Diante da dualidade, exaustão e preocupação, ficou com insônia e sem fome. A imagem de sua irmã debilitada martelava sua mente ao fechar os olhos. Lágrimas de dor escorreram sobre seu rosto delicado e abatido e, em posição fetal, na cama de palha, imersa em lágrimas e solidão, demorou horas até finalmente conseguir dormir.

Vindo do chacra coronário, no meio da cabeça, uma ponta de luz começou a crescer e iluminar a extremidade superior da escuridão criada pelos seus olhos fechados. O cheiro de jasmim beijou seu nariz e uma energia aqueceu seu corpo que estava trêmulo de frio e fraqueza, sentindo toda a vitalidade que fora consumida desde o início dos eventos recentes ser recuperada lentamente. Em seguida, uma voz de paz e suavidade, que mais parecia a de uma avó, ecoou sobre seus ouvidos:

"...Princesa linda do meu coração. A alma que tem a marca da cruz cravada em suas costas completou parte de sua jornada e está em estado de Ascenção. Os céus observam o destino que a muito veio aspirando. Siga seu coração..."

Ápice de Quíron: O Pequeno Gafanhoto (Vol. 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora