114. O Leviatã

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*NOTA: "Assim fica evidente que durante o tempo em que os homens vivem sem um Poder comum que os subjugados, eles ficam em uma condição chamada guerra; e é uma guerra de todos os homens contra todos os outros homens."-Thomas Hobbes

Boa leitura 💜

Ahren Schreave

O barulho do lado externo da casa chama a minha atenção.

Olho discretamente através das pesadas cortinas de persiana do meu quarto e avisto nada menos que uma comitiva de carros presidencial parar diante da Mansão Schreave. Em seguida, percebo o Presidente de Illéa sair de um dos carros e entrar na casa seguido por um punhado de guardas.

Saio de perto da janela e inspiro fundo outra vez. Sei exatamente o que vem a seguir. E não é uma coisa boa.

Viro o último gole de uísque em minha boca, sentindo a garganta pegar fogo. Encaro a garrafa já vazia e percebo que estou condenado. Meu avô certamente foi informado sobre meu "estado" nas últimas semanas.

Claro, tinha estampado diversos jornais de Illéa. Era como se, de repente, eu tivesse virando algum Schreave interessante para a mídia em geral.

Em contrapartida, eu tinha virado um eremita em minha família. Desde a semana passada, as únicas pessoas que fazem um esforço real para conversar comigo são Josie e meu pai.

Mas eu mal consigo olhar diretamente para papai desde o dia em que quase... Causei um ataque cardíaco em minha mãe, eu preferia nem pensar nisso. E Josie, ela até tenta me ajudar, mas é inútil. Kile cortou relações comigo no momento em que me viu brigar com Eadlyn, Osten parece simplesmente não ligar e Kaden não olha na minha cara desde a reunião com os assistentes.

E tudo isso começou com aquele maldito término com a Camille. Olho para a nossa única foto juntos que eu ainda mantinha no quarto, de quando passamos um verão nos alpes. Nós nunca sabemos o valor de um momento, até que ele se torne uma lembrança. Não adianta negar, tudo seria melhor se eu ainda estivesse com ela. O amor que eu sinto por ela não é páreo com a saudade que invade quando me deparo com qualquer coisa que me lembre dela. É inútil negar que a cicatriz está aberta e não se fechará por um bom tempo.

Encaro a fotografia pela última vez, então destranco uma gaveta da escrivaninha e coloco o retrato lá dentro, junto de outras lembranças que tinham restado. O possível anel de noivado, algumas fotos e um maço com todas as cartas que ela havia me enviado durante todo o relacionamento. Nem preciso abrir para visualizar sua caligrafia fina e delicada.

É, viver é uma merda.

Acho que a dor não vai embora. Ela diminui, e a gente se acostuma, com o tempo a coisa vai se neutralizando. Mas a dor nos fortalece, foi isso o que aprendi de outubro para cá. Já o amor enfraquece, é um erro grave que acaba com o nosso emocional. Uma pena que não tenha aprendido isso antes de conhecer a Camille.

Também encontro revistas ao meu respeito, o que me faz querer jogar as manchetes pela janela, mas apenas guardo em seu devido lugar. Ouvi dizer que tem até um comitê de crise para lidar com isso, o que não é bom e significa que estou "atrapalhando" os Schreave. No fim é um problema familiar, não institucional. Sempre fui um intruso nesta família.

Eadlyn sempre foi a filha única e primogênita, Kaden o gênio, e Osten o favorito. Sempre fui o esquecido, mas nem sempre isso é algo ruim. O fato de eu possuir um papel irrelevante na lei de sucessão me deu muitas liberdades. Não mais.

Por conta do meu término com a Camille, parece que os jornais e tabloides finalmente tiveram algo que explorar ao meu respeito. E eu não queria essa "publicidade gratuita", só precisava me sentir importante com alguma coisa, como Eadlyn ou Kaden, que aliás, parece ser o favorito de todo mundo na família.

Photograph {Kaden e Josie}Onde histórias criam vida. Descubra agora