5. Novas Memórias

661 63 11
                                    

Kaden Schreave

-Como assim voltar para Angeles? -Perguntei incrédulo. Como quem previa minha reação, Ahren se apressa:

-Não me faça muitas perguntas, sei tanto quanto você. E na verdade, as únicas pessoas que parecem saber de tudo o que está acontecendo são o vovô Clarkson e a vovó Amberly. E sinceramente, acho que eles é quem planejaram tudo isso. -Ouço sua explicação pacientemente.

-Mas qual o motivo de eu sair daqui exatamente? -Perguntei, ainda confuso.

Ahren bufa.

-Vamos para a parte difícil: o vovô Clarkson convocou uma reunião em família. Eady já deve ter chegado em Angeles, e eu devo levar você de volta. -Disse.

-Se é tão urgente assim, como não fui informado antes? -Perguntei revoltado. Eu não queria sair daqui.

-Bom, aí não é comigo. -Ahren tenta aliviar sua culpa no cartório. Paro por uns instantes e fico encarando o nada, pensando em tudo que meu irmão tinha contado.

-É ridículo. -Disse em voz alta, após pensar bastante em tudo aquilo que Ahren falou.

-O quê? -Perguntou, levemente confuso.

-É ridículo, Ahren. -Revirei os olhos. Mas então, logo me recompus. Essa confusão toda não era culpa do meu irmão, que me encarava receoso, com medo de uma possível explosão. Acho que Ahren nunca me viu nervoso de verdade. E isso não era hora de explodir. Por isso mantive a calma, e olhei para o chão:

-Quando vamos?

Ele suspirou.

-O próximo voo sai às oito horas da noite.

Bufei.

-A Sra. Hendeston foi informada? Porque tecnicamente, eu não poderia sair sem...

Ahren deu uma risadinha sem graça.

-Você ao menos se enxerga, irmão? Você é Kaden Schreave, qualquer profissional deixaria você sair daqui sem maiores explicações, e suas notas são excelentes, que dirá o comportamento? E além de tudo, só falta uma semana para o feriado, você não vai perder muita coisa. Mas já que pergunta, Catherine Hendeston foi uma antiga colega do nosso avô Clarkson, os dois são amigos de longa data. E para falar a verdade, acho que ela já sabe de tudo, com certeza ele a contou o que planeja. E quando me anunciaram em seu escritório, ela foi direto ao seu encontro, Kaden. Você vai ficar duas semanas conosco em Angeles, e vai voltar. E depois de uma semana aqui, você volta para passar o fim de semana lá. -Ahren deu um suspiro. -Pelo que parece, isso vai continuar se repetindo.

-Como assim? -Perguntei confuso.

-Você vai estar em Angeles com mais frequência que imagina.

-Por qual motivo?

-Esse é o "x" da questão, não sabemos. -Disse, caminhando ao meu lado.

As meninas continuavam nos encarando á distância, mas Ahren parecia não notar. Mas de todos nós, ele sempre foi o mais lerdo.

-Então só vamos descobrir quando chegarmos lá? -Pergunto, desacelerando os meus passos.

-Justamente. -Meu irmão olhou para mim, e viu minha cara de desânimo.-Kaden, nós vamos para casa. -Abriu um sorriso.

-Eu sei.

-Deveria estar feliz. Há quanto tempo não vê todos nós juntos? -Perguntou incisivamente, com uma mão em meu ombro. Uau, de repente ele não me pareceu muito alto. Eu cresci bastante no último verão.

Parei para pensar.

-Um ano, acho.

Ele abriu um sorriso triste.

-Não, maninho. Quando foi a última vez que você viu a vovó Singer berrando com a mamãe porque ela não deixava Osten aprontar pela casa, o papai tentando acalmar os ânimos e Josie rindo enquanto passava o balde de pipoca para o Kile e a Eady revirava os olhos para a cena? -Pergunta. Franzo a testa para me lembrar. Ele continou. - E a mamãe tentando ensinar a Tia Marlee tocar piano, enquanto todo mundo tampava os ouvidos e a vovó Amberly tentava ajudar? Lembra da última vez que viu o Tio Aspen, Tio Carter e o papai tentando ensinar Osten jogar futebol? Estava lá quando Lucy teve que ensinar Josie passar rímel porque ela se borrava toda e parecia uma estrela do rock? E mais, você se lembra da última vez que choveu e viu nossos pais dançando na chuva como eles sempre faziam?  Você estava em Angeles quando a Eady passou na faculdade, quando ela ganhou o carro do vovô Clarkson depois que tirou a carteira de motorista? Você se lembra do jeito peculiar de Tia May quando chegava em casa? Você estava lá quando mamãe teve que arrancar um dente do Osten o prendendo na maçaneta da porta? Quando Josie inventou de jogar hóquei com Eady, Osten e acabou quebrando o braço? Quando a vovó Amberly, vovó Singer, Tia Marlee e a mamãe decidiram tirar uma noite de folga em Las Vegas e nos deixaram sozinhos na casa dos Woodwork em Montreal? Você estava lá quando Eady fez uma guerra de tortas de morango, e Lucy acabou caindo na piscina? Quando Kile ficou bêbado nas bodas de casamento da Tia Marlee e Tio Carter, e tivemos que escondê-lo para que ninguém percebesse? Mais uma coisinha, Kaden: quando foi a última vez que nós quatro dormimos juntos no quarto da Eady? -Perguntou.

Suas palavras vieram como um soco em meu estômago. Eu sempre encarei esse período na Suíça como um privilégio, uma grande oportunidade, mas quantos momentos em família eu perdi? Quantas memórias foram deixadas para trás? Era para eu ter estado lá, eu pensava. Depois que fui embora, perdi muitos momentos. Muitas coisas mudaram. De repente senti uma raiva enorme do meu avô Clarkson por ter tido a ideia de me mandar para cá. 

Eu teria estado em Angeles quando Eady ganhou o primeiro carro, quando Osten arrancou o primeiro dente, quando mamãe e papai dançavam na chuva, quando vovó Magda gritava aos berros conosco, quando Ahren ensinava Eady a jogar xadrez, quando vovó Amberly e vovô Clarkson se olhavam com ternura, e de repente, senti uma imensa saudade de casa. De tudo aquilo que eu havi perdido. Das noites em claro jogando videogame com Ahren, das brigas entre Kile e Eady, as travessuras de Osten pela casa, o jeito excêntrico de tia May, o jeito protetor do Tio Aspen, as tortas de morango que Delilah, a cozinheira da mansão, fazia para nós, o barulho irritante dos saltos de Silvia, assistente do meu avô, pela casa, e do nada me lembro de quando eu e Josie brincávamos de pega pega no jardim e Lucy brigava conosco e nos dava banho escondido, já que se alguém soubesse brigaria por termos sujado nossas roupas de terra. Foi uma lembrança feliz.

E das noites que dormíamos juntos, eu, Eady, Ahren e Osten. Era a perna de um em cima do braço de outro, o cabelo de Eady na cara de alguém, a barriga de Osten em minhas costas, o braço de Ahren fora da cama. Éramos completos, éramos felizes.

Abaixo os olhos e paro.

-Sinto muito.

-Pelo quê? -Ahren perguntou, ao meu lado.

-Por ter perdido todos esses momentos.

-Não foi sua culpa, maninho. -Garantiu. -Claro que a imagem de Eady furiosa e toda melada depois que Osten atirou um jato de molho de tomate na cara dela no dia de aniversário da vovó Amberly jamais será superado, mas -Eu ri imaginando a cena, grato por Ahren descontrair o clima. -Nós vamos superar isso, irmão. Vamos criar novas memórias juntos. Eu garanto. -Ele deu um tapinha em meu ombro.

Assinto, abrindo um leve sorriso. Agora estou mais que ansioso em voltar para casa.

-Esse feriado será inesquecível. -Ahren sorriu. -Agora vamos arrumar suas coisas. Partimos em duas horas.

-Ótimo. -Assenti. -Mal vejo a hora de ser acertado por um jato de molho de tomate. -Brinco, e Ahren riu.

Então, vamos andando.

-Vamos criar novas memórias.

-As melhores. -Disse. Mal vejo a hora de voltar para Angeles. Sinto falta de todos juntos. Falta de casa.


                                                                 ***

Photograph {Kaden e Josie}Onde histórias criam vida. Descubra agora