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LUNA

Aquele cheiro de hospital era horrível, e as lembranças que ele me trazia também não eram flores.

Toda vez que sinto esse cheiro frio de limpeza e remédio do ambiente hospitalar, eu me lembro de duas cenas específicas de quando eu era criança: a primeira era eu, agarrando as pernas de um homem alto e branco enquanto implorava para que ele não me deixasse ali; a segunda era Letty, tossindo sangue num lenço de papel quando tinha apenas oito anos de idade, pouco depois de nossos pais irem embora.

Das duas memórias, apenas a segunda eu me lembro do contexto. Da primeira, eu não faço ideia do porquê de estar chorando, muito menos do motivo de estar num hospital, eu apenas me recordo do cheiro.

E estar em um hospital novamente era algo estranho. Eu não havia estado em um desde que eu tinha quatorze anos, e estava super aflita por Harry.

Seu corpo estava em ordem e a cirurgia, apesar de continuar sendo de risco, havia sido aprovada. Era um procedimento de apenas uma hora e Harry passaria apenas um dia no hospital, se tudo corresse bem. E tudo tinha que correr bem.

- Meu bem, eu vou na cantina comprar um suco. Você quer que eu te traga alguma coisa? - Anne ofereceu, murmurando de forma doce, e eu apenas balancei a cabeça, negando.

Eu não conseguiria comer nada enquanto não soubesse de Harry. Ela seguiu seu caminho, me deixando sozinha novamente, e eu peguei meu celular, ligando para Letty.

- Alô? - a voz sonolenta de Letty atendeu, e eu franzi a testa.

- Por que não está na escola, periquito? - perguntei, brava.

- Hoje só tem aula na parte da tarde, por causa de uma reunião de professores que vai ter agora pela manhã - ela explicou, bocejando no meio da fala.

- Niall está aí? - perguntei, olhando para a parede à minha frente. - Vocês estão se dando bem? Como estão as coisas aí?

- Estamos bem, Luna - ela disse, usando um tom de tédio exagerado. - Niall está dormindo na sala, e eu tô no meu quarto. A gente assistiu um filme ontem, ele estava super preocupado com Harry também. Tenho certeza de que quando ele acordar, vai te ligar.

- Certo - assenti, brincando com a manga comprida da minha blusa.

- E aí, como está tudo por aí?

- Harry está em cirurgia já tem quase uma hora - suspirei, mordendo o lábio nervosamente.

- Sério? Meu Deus - Letty pareceu mais alerta, de repente. Quando olhei para cima, percebi um médico vindo em minha direção.

- Letty, eu tenho que desligar. Falo com você depois, beijo - me despedi rápido.

- Me mantenha informada de tudo! - ela disse alto, antes que eu desligasse.

- Está tudo bem, doutor? - perguntei rápido, me levantando.

- Você é da família de Harry Styles? - ele perguntou, observando a ficha, depois ergueu uma sobrancelha em minha direção.

- Não, eu sou-

- Ela é a namorada dele, eu sou a mãe - Anne interrompeu, com a voz firme mas com o rosto preocupado, voltando com seu suco na mão. - O que aconteceu? A cirurgia acabou?

O médico respirou fundo, eu prendi minha respiração.

- Tivemos uma complicação - ele começou, em tom solene, e eu achei que iria desmaiar. - Senhora Anne, aqui diz que seu filho tem antecedentes de angina, é verdade?

Anne assentiu. De repente, me lembrei das vezes em que o vi ansioso e levando a mão ao peito.

- Foi por conta de estresse, mas sim, é verdade.

- Bem, os batimentos dele caíram drasticamente durante o procedimento, e quase precisamos interromper a cirurgia. Porém, como já estávamos quase terminando, nós conseguimos finalizar o procedimento e internamos seu filho. - Ele explicou, com tom de voz calmo. - Acredito que tenha sido por conta do sedativo, mas o caso dele é preocupante, senhora Anne.

Eu senti meu corpo ficar dormente enquanto processava as informações do médico.

Como assim, a situação dele é preocupante? Não pode ser, ele... eles disseram que tudo bem ele fazer a cirurgia, não disseram? Como eles não perceberam que seria ainda mais arriscado por conta de antecedentes médicos?

- Vocês sabiam - comecei, interrompendo Anne sem querer. - Sabiam que ele teve angina, estava no histórico dele, mas mesmo assim aprovaram a cirurgia?

O médico pareceu me encarar realmente pela primeira vez desde que começou a falar.

- Perdão? - ele piscou, como se não tivesse ouvido direito.

- Se vocês sabiam que os riscos da cirurgia aumentariam - repeti com mais firmeza - por que continuaram?

- Olha só, senhorita - ele disse a palavra com desdém, me olhando de cima à baixo. - Os exames foram feitos e os resultados foram ótimos. Nós aqui só estamos fazendo o nosso trabalho.

- Seu trabalho - repeti no mesmo tom que ele - era se certificar que a cirurgia corresse bem. Imprevistos acontecem, eu sei, mas isso aqui não foi um imprevisto, foi negligência. Vocês estão realmente precisando de dinheiro assim? - eu tentei não aumentar a voz, mas estava à dois segundos de explodir.

- Escuta aqui, eu não vou tolerar que alguém como você me diga qual é o meu trabalho, eu sei muito bem qual é - ele me olhou com certo nojo, e eu entendi muito bem o que aquilo significava. - Eu-

- Alguém como ela? - Anne interrompeu, feroz.

- Alguém como eu? - eu disse ao mesmo tempo. - Como assim? Alguém negro? Você acha que por eu ser negra, eu não tenho direito de dizer que seu trabalho está errado? - ergui minha voz, sentindo meu corpo todo vibrar de raiva. - Pois bem, eu, Luna Downey, cidadã londrina, negra, digo em alto e bom som: você errou!

Anne segurou meu braço, me impedindo de avançar mais, e as pessoas na sala de espera já nos olhavam. Eu podia ouvir o sangue correndo pelas minhas veias e zumbindo em meus ouvidos, e todo o meu corpo queimava. Eu sentia raiva, desse racista nojento, desse hospital que não fez seu trabalho direito, de não poder estar com Harry.

- É melhor você sair daqui. Pessoas como você deveriam queimar no inferno - Anne rosnou para o médico, me defendendo como se eu fosse sua própria filha. - E eu quero outro médico cuidando do meu filho. Você não saberia o que ética e competência significam, nem mesmo se alguém escrevesse as palavras na sua testa.

O médico se retirou e eu não conseguia parar de tremer.

- Anne, me desculpa - eu pedi, sentindo meus olhos marejarem, e ela segurou minhas mãos. - Eu não deveria- eu devia ter me controlado, desculpa!

- Ei, não se desculpe - ela me puxou para um abraço carinhoso, e eu dei tudo de mim para não desmoronar em seus braços. - Você fez certo em enfrentá-lo, pessoas assim precisam ser colocadas no lugar delas.

Assenti, respirando fundo.

- Harry, ele...

- Sim. Vamos rezar para que ele saia dessa situação - a voz dela falhou um pouco, e eu percebi o quanto ela estava abalada. - Meu filho é forte, ele vai sair dessa.

Balancei a cabeça, concordando com ela e rezando silenciosamente para que as coisas se ajeitassem. Anne já tinha perdido seu marido há alguns anos, e precisa de Harry. Gemma precisa de seu irmão, os garotos precisam de seu amigo, eu preciso do meu namorado. O mundo precisa de Harry Styles.

Good Years || Harry StylesOnde histórias criam vida. Descubra agora