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HARRY

Respire fundo, querido. Você consegue, já fez isso antes. Concentre-se Tudo vai ficar bem.

Respirei fundo, assim como minha mãe mandou, há três anos atrás.

Me concentrei.

Não era assim que eu me imaginava aos vinte e quatro anos de idade. Respirei fundo novamente, sentindo a minha cabeça doer.

— Vamos lá, Haz. Você consegue, parceiro. Você se lembra dessa — Liam sussurrou, tentando me motivar.

Continuei passando e repassando o dedo naqueles pontinhos em ordem específica. Como é que as pessoas conseguem fazer isso? Estou tão frustrado que sinto como se fosse chorar a qualquer momento.

— Eu não consigo, cara. Eu não me lembro — eu disse baixo, apertando minha mandíbula.

Estávamos na biblioteca da minha casa. Liam tirou alguns de seus dias livres pra me ajudar a aprender braille, assim como Niall, e eles estão revezando, junto com a minha mãe. Louis e eu ainda não nos falamos muito, mas já estamos bem. Zayn também se manifestou quando tudo aconteceu, o que me deixou muito surpreso.

Durante um ano inteiro eu fui um idiota com todo mundo, menos com a minha mãe, porque eu sempre ignorava todos o máximo que podia. Eu estava com vergonha: vergonha da minha cegueira, vergonha da minha aparência, vergonha por ter sido largado pela namorada.

O alvejante queimou a pele ao redor dos meus olhos. Na época, era muito nojento. Tinha bolhas e minha pele estava fodida, eu podia sentir. Era muito... sei lá, ew. Agora, a região atingida é só um pouco rosa, como se eu tivesse ficado algum tempo no sol e sem protetor solar. Pelo menos é o que a minha mãe disse, e eu escolhi acreditar nela.

Meus olhos continuam verdes, mas não aquele verde esmeralda e cristalino que eram antes. Eu sei que não, porque eu pressionei Liam e ele me disse. Agora são um verde manchado, opaco e sem brilho, feio e nojento.

Suspirei.

Eu ainda consigo me lembrar de como tudo era claro e brilhante antes disso acontecer. Eu ainda me lembro de como é o meu rosto. Ou era. Eu ainda posso me lembrar de como é o rosto de cada um dos meus conhecidos, tocando eles. É algo que eu aprendi com o passar do tempo. Quando eu penso que estou esquecendo de seus rostos e expressões faciais e começo a querer chorar e entrar em pânico, eu peço se eu posso tocar seus rostos novamente.

Eu também posso reconhecer eles pelo cheiro. Na verdade, a maioria das coisas eu reconheço pelo cheiro.

Eu pude ouvir Bear brincando quietinho no carpete, que parecia estar um pouco distante da mesa onde estávamos, e respirei fundo. Eu nunca vou poder ver o rosto do filho do meu melhor amigo.

Liam suspirou.

— Descansa um pouco, cara. Depois a gente volta. Quer alguma coisa? Água? Refrigerante?

Balancei a cabeça.

— Eu quero sair daqui. Será que eu posso?

Liam ficou em silêncio, e aquilo quase me matou. Eu odeio quando não respondem logo, principalmente agora que não posso ver a expressão em seus rostos.

— Uh...

— Por favor, Liam. Eu preciso.

— Claro, amigo. Você quer que eu vá junto, ou...?

Balancei a cabeça novamente.

— Não, eu só... — suspirei. — Você pode pegar o Vegas pra mim?

Liam ficou em silêncio por alguns segundos.

— Quer dizer, sim, eu posso. Você quer esperar na sala?

Ele não precisou explicar pra eu entender. Ele tinha esquecido que eu não enxergo e só balançou a cabeça.

Assenti e me levantei. Geralmente as coisas ficavam silenciosas quando começavam a ficar tensas. Ele me conhece, ele sabe que eu estou a ponto de explodir. Respirei fundo algumas vezes, enquanto Liam me guiava pela casa até a sala. Eu moro num condomínio enorme, onde eu posso ter privacidade dentro da minha própria casa.

Logo eu pude ouvir o sininho no pescoço do Vegas, e ele pulou em mim, no sofá.

— E aí, garotão. Pronto pra dar uma volta? — eu acariciei o pelo de Vegas, meu labrador que antes era só meu cachorro, mas agora é meu cão-guia.

— Oh, infelizmente eu não vou junto, mas quando você voltar a gente se vê. — Liam respondeu e gargalhou, me fazendo rir um pouco. — Mas agora é sério, Haz. Você vai precisar estar de volta em alguns minutos, porque se você estiver sozinho lá fora quando sua mãe chegar, ela pode me matar.

Assenti, sabendo como é a dona Anne. Ela ainda acha que eu não posso sair sozinho.

Vegas me guiou até a porta, enquanto eu guardava a bengala. Toda vez que eu ando pelo condomínio, eu uso óculos escuros e minha mãe ou um dos garotos está sempre comigo.

Andei um pouco, enquanto pensava. O que eu mais sinto falta é de me apresentar nos palcos.

Desci de elevador até o térreo, onde ficava a recepção e uma espécie de lanchonete do condomínio, e me sentei em um dos bancos perto do balcão. Nem sei mais quem trabalha aqui, mas é só agir normalmente. Senti Vegas se sentar bem próximo ao meu pé esquerdo, e enrolei a alça que eu segurava em meu pulso. Minha cabeça estava a mil, e eu só queria um suco de maracujá.

Alguém clareou a garganta em minha frente, o que fez eu virar minha cabeça em direção ao som.

— Vai ficar aí só me olhando? Ou você quer que eu te sirva alguma coisa?

A voz da moça soava brava, e eu nem havia dito nada.

— Uhh, desculpa, eh... eu quero um copo de suco de maracujá, por favor.

Ninguém disse nada, então achei que ela já tinha se retirado.

— Mais alguma coisa? — o tédio em sua voz me dizia que eu estava irritando ela, e não era pouco.

— Não, só isso por enquanto. Obrigada — eu olhei pra baixo.

Ouvi uma porta abrir, então assumi que ela já tinha entrado lá dentro pra pegar o suco.

Suspirei. Depois da pausa, cada um dos garotos continuaram em carreiras solo, menos eu. Niall lançou um álbum e encerrou sua primeira turnê mundial em carreira solo há pouco tempo. Zayn lançou dois álbuns incríveis. Liam lançou um EP, e Louis lançou alguns singles, todos eles se deram muito bem. E eu fiquei cego.

Quando eu fechava os olhos, eu ainda podia ver. As platéias. As multidões de fãs. Os meninos no palco comigo. As turnês. Eu ainda posso ouvir meu nome sendo chamado. O nome da nossa banda. Eu ouço algumas das nossas músicas de vez em quando, mas dói bastante saber que eu nunca vou estar lá de novo, ou me sentir vivo como eu me sentia enquanto me apresentava. Todos eles estão se saindo muito bem, e eu só queria estar lá também.

— Aqui — ouvi o copo ser arrastado pelo balcão. — Qual o número do seu apartamento?

Senti um nó no estômago.

— 38.

Passei a mão sobre o balcão lentamente, procurando o copo, e quando achei, acabei derrubando.

— Ah, não cara! Meu trabalho!

Minha respiração começou a acelerar.

— Desculpa, foi sem querer, eu juro!

Eu tentei limpar, mas pelo jeito eu não estava ajudando.

— Não! Deixa aí, eu dou um jeito! — ela mandou, e eu senti uma gotícula de suor escorrer em minha nuca.

— Desculpa, eu não queria... — me levantei, e não sabia nem pra que direção eu estava falando. — Desculpa.

Repeti e saí dali juntamente com Vegas.

Eu sou um inválido, um peso pra todo mundo. Eu só queria sumir, pensei, enquanto algumas lágrimas escorriam pelo meu rosto e Vegas me guiava de volta para meu apartamento.

Good Years || Harry StylesOnde histórias criam vida. Descubra agora