Com o passar dos dias, eu e Lucius tínhamos criado um tipo de rotina.
Toda noite escolhíamos um dos bares do Red Light District. Rondávamos um pouco e enquanto Lucius se aproveitava de sua humanidade, eu abordava. Tínhamos um perfil pronto: Garota ou cara, dançando sozinhos e em sua maioria, turistas.
Nem sempre tinhamos como saber se o alvo se enquadrava nas características, mas nativos nunca eram uma opção, pela simples razão de evitarmos chamar atenção dos humanos, já que com suas almas sugadas, as mortes repentinas começariam a chamar atenção e não queríamos padres ou detetives na região.
Mas esse não era um caso geral, quando o pedido envolvia algo material que poderia envolver mais de uma pessoa - como sucesso profissional, por exemplo, um prazo contratual era adicionado para que o individuo em questão aproveitasse de seu favor mais plenamente. Esse prazo era relativo, ia desde uma semana até 100 anos, mas todas cominavam no mesmo fim trágico.
Meu remorso brincava de vai e vem comigo. Desejos que envolviam duplicatas de mortos, sempre geravam uma ressaca moral. E Lucius, embora não apoiasse, me ajudava a cura-la com álcool.
Já em casos onde o desejo envolvia algo de cunho egoísta, um prazer me apoderava. Eu tinha passado a sentir prazer quando percebia que a única coisa que restava dessas pessoas, era seus nomes escritos nos contratos.
E antes que percebêssemos os dias logo se transformaram em semana e a cada dia, tínhamos menos vontade de voltar para o inferno.
Eu tinha aprendido a enfeitiçar nossos olhos para que não tivéssemos mais o risco de acabarmos perdendo as lentes de contato e Lucius sempre carregava uma mochila com roupas extras caso precisássemos.
Voltávamos periodicamente por eu sentir falta de mamãe e papai, mas sempre acabávamos por esticar nossas noites e aproveitar mais de Amsterdã.
E hoje era um dia assim. Depois de coletar mais uma alma e perceber que o sol já tinha começado a nascer me permiti assistir a visão sentada sobre o teto de um dos prédios antigos do Red Light District.
Eu estava esperando Lucius voltar de sua noite, quando ouvi de longe, o barulho de asas.
Meu primeiro impulso foi querer correr e me esconder. Mas olhando em volta, percebi que não teria onde me esconder, nem mesmo se eu quisesse.
Minha única esperança era não ser vista ou ao menos, não ser reconhecida.
Mas tudo mudou quando eu reconheci o cabelo loiro acobreado do anjo de quatro asas. Pus-me de pé na medida em que o anjo se aproximava.
Quando ele pousou sobre o teto do bar, mesmo mantendo quase um metro de distancia, pude encara-lo bem, ainda tinha todas as feições de que me lembrava. O rosto tão pálido quanto o meu, maxilar quadrado e olhos de um azul tão claro quanto o branco de suas asas. Sua roupa, um conjunto de blusas e calças num tecido folgado e também branco em nada se assemelhava com o meu vestido midi preto. Seus pés descalços estavam distantes dos meus postos sobre um par de saltos meia pata. Eu tinha perdido a maquiagem durante a noite, mas ainda era distante do rosto limpo e intocado dele.
"Lucius!"
Chamei-o mentalmente. Entretanto, não obtive resposta alguma.
Quando o anjo deu um passo à frente, eu me preparei para seu ataque. O feitiço estava na ponta de minha língua, quando ele rapidamente cortou o caminho entre nós e me abraçou.
- Irmã. - Ele disse numa voz chorosa.
Fiquei congelada por um momento. Em choque. Ele me abraçava com o mesmo carinho de antes. Num impulso, deslizei meus braços por suas costas, evitando chegar perto de suas asas e me aconcheguei sobre seu peito.
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As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)
Paranormal🐍 Até onde você iria por uma segunda chance? Serafine já foi um anjo, da mais alta hierarquia, mas tudo mudou quando ela quis interferir na liberdade de escolha dos homens. Condenada a uma eternidade num corpo inerte, em Perdição, Serafine s...