Acordei abruptamente como se uma leve fagulha tivesse sido acesa novamente e o calor tivesse voltado para meu corpo. Mas por alguma razão tudo continuava frio e escuro.
— Não, não, não. — Repeti apressadamente forçando minhas pernas a agirem.
Não aguentaria mais uma sessão de visitas. Talvez aquilo funcionasse para Ebenezer Scrooge, mas não funcionava para mim.
Senti meu braço repuxar e latejar levemente. Encarei confusa a parte interna de meu braço e percebi a agulha ligada ao soro fincada nela. Estava prestes a puxar de lá quando uma mão prendeu meu pulso.
— O que está fazendo? Não puxe isso! — Ele ordenou num sussurro. — Precisa manter isso ai até que o padre Belford diga que está totalmente bem para isso.
Théo tinha sua testa levemente enrugada, parecia frustrado ou preocupado, não consegui distinguir com clareza. Mas acima daquilo, ele parecia extremamente real. Levei minha mão livre e firmei sob seu rosto. Um suspiro carregado saiu por sua boca quando ele acomodou-se ainda mais, como um gatinho esgueirando-se em busca de carinho e ele me encarou, com seus intensos olhos de nascer do sol.
Senti nossa eletricidade habitual e a reconheci de poucos minutos atrás. Tinha sido ela quem tivera me despertado. Ou melhor.
Tinha sido ele.
— É você mesmo não é? — Perguntei buscando quaisquer indícios de que aquela não era mais uma pegadinha de minha mente.
— Em carne e osso. — Sua voz soou zombeteira.
— Com olhos de nascer do sol e tudo.
Notei o seu sorriso mesmo na escuridão.
— Olhos de nascer do sol? — Questionou ele me fazendo corar.
— Esqueça... Falei demais. — Tentei acompanhar quando ele deu uma risada, mas a secura de minha garganta e tontura de minha cabeça me contiveram. — O que houve lá? — Questionei antes que Théo pudesse me irromper com uma simples piscadela.
— Depois que você se jogou de um penhasco? — Sua voz soou irônica. — Sabe que poderia ter morrido, não sabe?
— Mas não morri. — Seus olhos se reviraram e eu fui obrigada a estapear seu braço levemente. Soltei um suspiro longo. — Ele é meu irmão, Théo. — Lembrei-o do óbvio. — Faria tudo por ele. Mesmo que isso significasse pular de mil penhascos. — Forcei meus braços para endireitar a coluna, quase fraquejei com a fisgada de dor vinda da mão enfaixada. Malditos fossem meus sobrinhos se eles tivessem comido a palma de minha mão.
— Como Lucius está? — Perguntei um tanto aflita.
— Ele está bem. — Afirmou ele automaticamente. — Um arranhão na testa e só. Saudável como nunca!
— Tem certeza?
— É claro que sim! Ele estava aqui até algumas horas atrás. Fez inúmeros exames e passou o dia todo com você. Não quis largar o seu lado. Madeleine teve de suborna-lo com bolinhos para que ele fosse descansar. Mas acredite, ele ainda me fez jurar que não sairia do seu lado.
Tinha notado a cadeira dura de madeira, com um pequeno cobertor lilás jogado no braço dela, logo atrás dele. O livro disposto no chão, junto com seus óculos de descanso estavam colocados desajeitadamente. Talvez tivessem ido parar lá quando despertei confusa, lembrei mentalmente.
As leves manchas arroxeadas abaixo de seus olhos denunciavam seu cansaço – que já tinha ficado claro com o mero uso dos óculos, já que ele odiava usa-los, mas se faziam necessários quando sua vista turvava as letras.
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As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)
Paranormal🐍 Até onde você iria por uma segunda chance? Serafine já foi um anjo, da mais alta hierarquia, mas tudo mudou quando ela quis interferir na liberdade de escolha dos homens. Condenada a uma eternidade num corpo inerte, em Perdição, Serafine s...