os zumbis estão cada vez mais rápidos

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31 de maio de 2020

Núbia

– Tá friozinho, gente – comentei com Letícia e Cayetana ao passar pelo alto portão de Peruíbe.

– É o inverno chegando – respondeu Letícia ao se encolher.

Passei pelo marcador de temperatura que ficava do lado de fora da estação meteorológica e vi que marcava 16,8°C.

– Eu vou pra casa – disse Leonardo, que caminhava atrás de mim. – Preciso tomar um banho quente depois da chuvinha que tomamos.

– Eu também – disse Rafaela.

– Tá bom – falei em voz baixa. – Vejo vocês depois de amanhã, ok? Mesmo horário de sempre.

Acenei em despedida e corri até o ônibus que estava partindo em direção ao hospital. Cumprimentei a motorista e sentei no último banco, como de costume.

Chegando ao hospital, subi as escadas correndo até o décimo andar, o andar de fisioterapia. Avistei Dandara colocando sua prótese de perna enfeitada com flores e borboletas.

Dei duas batidas na porta de vidro e Dandara se virou. Ela sorriu e fez sinal para que eu aguardasse. Vestiu uma blusa de moletom cinza que quase cobriu completamente o shortinho de poliamida preto, colocou a mochila nas costas e caminhou até mim rapidamente, quase saltitando.

– Você tá andando muito bem – comentei ao abraçá-la.

– A reabilitação me ajuda bastante – disse ela. – Como foi a missão?

– Um saco – soltei uma risada fraca. – Quando você convive com o Leonardo, percebe o quão chato ele é. O cara implica com tudo e se preocupa o tempo todo. Acho que ele ainda tem trauma pelo que te aconteceu... Ele deve se sentir culpado.

– Porra – Dandara soltou uma risada fraca. – Ah, eu vou tentar conversar com ele, mas não garanto nada. Enfim, pelo menos suas missões sempre têm sucesso.

– Vou ter que concordar, Danda. Mas, sei lá, tá ficando cada dia mais perigoso lá fora. Os zumbis estão cada vez mais rápidos e, se a gente não prestar atenção, acaba levando mordida.

Dandara ficou séria de repente.

Caminhamos em silêncio até o elevador. Três enfermeiras desceram do elevador e nós duas entramos. Apertei o botão do subsolo e apoiei as costas na parede, fechando os olhos e respirando profundamente.

– Você ainda tem medo de elevador? – Dandara perguntou em tom de surpresa.

– Aham – a voz tremida fez minha resposta parecer um grunhido.

Senti uma mão repousar em meu ombro e abri os olhos. Dandara tinha uma expressão empática no rosto enquanto acariciava meu ombro. Ela se aproximou mais e me abraçou. O elevador parou e abriu a porta.

– Viu? – disse ela. – Nem foi tão sofrido assim.

Fiz uma careta, o que só fez com que Dandara risse.

Caminhamos até a mesa do almoço, pegamos nossas bandejas e começamos a montar nossos pratos. Peguei arroz branco, feijão carioca, purê de batata doce e um mix de legumes cozidos; para beber, escolhi chá de maçã com canela. Dandara, por outro lado, escolheu sopa cremosa de cenoura, pão e um pedaço enorme de peixe ensopado; para beber, pegou café com leite. Que mistura peculiar, pensei.

Sentamos e começamos a comer em silêncio. Até que Dandara disse:

– Ficou sabendo que o Marcos terminou com a Porã?

Inverno dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora