A festa da rua de cima.

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Ao acordar, ouvi barulhos na cozinha. Era meu pai e minha mãe rindo. Cheguei e disse qual era a graça e eles disseram que estavam relembrando as coisas que passaram quando adolescente. Naquele momento parecia que estavam ainda casados. E ver a alegria deles me deu uma tristeza enorme, pois sabia que aquilo era momentâneo. Tomei meu café e fui limpar meus livros, já tinha uma semana que não limpava. Depois de limpar fui ao banheiro e olhei meu olho. Estava menor, tava amarelo em volta. Não estava inchado. Tava tirando os pelos do rosto, que não são muitos. Quando ouvi minha mãe dizendo "meu neném". Sabia que a Júlia estava ali. Esse era o cumprimento delas. A Júlia já saiu entrando, como sempre. Anunciou ao entrar no quarto:
-Você não tá fazendo nada estranho nesse banheiro não, né?
-Não! Sua mente é o próprio Rio Tietê, credo.
Eu disse. Ela veio a porta do banheiro e perguntou o que ele estava fazendo lá. A Júlia tinha mais ódio do meu pai do que eu. E eu amava aquilo. Expliquei tudo pra ela. E ela como sempre cheia de perguntas começou a dizer:
-Será que ela pediu pra você ir pra lá? E a tua tia, tu vai falar com ela? E o Pedro,  vai vê-lo? Ele parece ser gente boa.
Eu respondi:
-Acho que sim. Vou falar com ela e não sei se verei ele. Ele é legal, mas não o conheço ao ponto de querer vê-lo. Eu só vi uma foto dele até agora, vai que seja um vendedor de órgãos. Eu sou muito irresistível, sei que ele vai querer levar meu rim, coração e fígado.
Ela riu e disse:
-Para de ser besta. Será que você faz o tipo dele? Bom, se faz ou não. Nunca vai rolar nada, você fala que é hétero. Por mais que eu não acredite, eu finjo.
-É impossível. Eu faço o tipo de qualquer pessoa. Olha essa minha pele, parece uma barra de chocolate com amendoim. E meu corpo, ele sim é lindo. E Eu sou hétero. Ficarei devendo ser o amigo gay, minha querida sapatão.
Eu disse rindo um pouco. Ela riu muito, não sei qual era o motivo. Ai ai, como eu amo usar a ironia pra falar com você leitor.
Ela me perguntou se eu iria pra reunião também. Por que ela também foi chamada. Acho que o diretor e ninguém naquela sala acreditaria em mim. Eu disse que iria. Ela me ajudou a a terminar de arrumar a minha outra estante. Limpou todos os bonecos. Júlia amava limpa-los. Quando ela pegou os bonecos da Disney, refez quase todas as cenas que lembrava de cada filme. Foi hilário. Minha mãe nos chamou pra almoçar e depois fomos direto para a escola. Chegamos em horário de recreio, todo mundo viu o meu querido olho roxo. Ao entrar na sala vi Carlos e apenas o seu pai. Comprimentei todos ali. O que foi? Eu sou educado.
Percebi uma coisa estranha, meus pais já conheciam o pai do Carlos. Eu também o conhecia, só não lembrava de onde. Ele disse para meu pai e minha mãe:
-Olá Gabriel. Olá Helena. Quanto tempo. Não os vejo desde o divórcio.
Na hora me toquei! Estava na sala com o advogado da minha mãe, que "fez" os papéis do divórcio e da separação de bens. Que ótimo clima, não? Meus pais, o advogado do divórcio e seus filhos problemáticos em uma só sala. E claro, a Júlia a única que não tinha vínculo com nada. O diretor se sentou, meus pais também. Eu, Carlos e Júlia ficamos em pé. Eles conversaram. Pediram pra eu contar a história sem o carlos na sala. Contei. Depois pediu pra eu sair e o Carlos contar a versão dele. Pediram para a Júlia sair com ele. Aí só ficaram os pais na sala. Ao os três saírem, pediram pra eu, Carlos e Júlia entrar. Ele disse o seguinte:
-Eu e os pais aqui presentes decidimos. Vocês três irão ficar durante três dias, depois do horário na escola, para nos ajudar a limpar a biblioteca da escola. Depois claro que o Alex voltar da viagem.
Eu disse que não aceitava que a Júlia tivesse sido incluída também. Ela disse que estava tudo bem.
Fiquei puto pelo resto do dia. Desculpa pela expressão, mas pra vocês entenderem meu ódio, tive que escreve-la.
No carro, meu pai perguntou como a Júlia estava. Ela só respondeu que estava bem. Minha mãe disse:
-Que tal irmos no shopping numa livraria. Dois livros pra cada um de vocês.
Logo ficamos alegres. Era fácil comprar eu e Júlia. É só nos dar livros. Pode demorar, mas ficaremos felizes.
Fomos no shopping, minha mãe e Júlia entraram numa loja. Eu fiquei com meu pai na fila pra comprar casquinha de sorvete. Meu pai puxando assunto disse:
-O Garoto disse o que falou sobre você antes do soco. Por mim, se você for. Não ligo, tem todo o meu apoio. Já não sei pela sua mãe, ela nunca levou isso numa boa. Eu não ligo, entendo que é amor. Amor é amor. Tenho amigos que são. O teu padrinho mesmo se assumiu gay a um tempo. Só que nunca ficou sério com ninguém.
Eu disse:
-Obrigado pelo seu discurso. Mas não sou. E eu sabia que meu padrinho era. Já vi ele e um cara lá no centro da cidade. Mas nem me toquei na hora.
Minha mãe chegou animada e disse:
-Alex e Júlia vão na livraria escolha os dois livros. Aqui tá o cartão. Vamos esperar vocês aqui. Quando voltarem peça o sorvete. Até logo.
No caminho da livraria perguntei pra Júlia:
-Eu tenho cara de gay, bi? Hoje foi a 3 vez que alguém me pergunta se sou.
Júlia apenas disse:
-Sendo sincera. Você tem cara, jeito. Tudo. Queria que você fosse. Seria a única poc que eu aguentaria. As que eu conheço são muito chatas. Acham que tudo que diz é engraçado.
-Ju, como você descobriu que era lésbica? Agora eu tô ficando confuso com isso. Não tenho mais certeza.
Ela só falou:
-A noite você vai saber. Tem uma festa lá na rua de cima, nos vamos. E você vai beijar os dois. Já que nunca gostou de ninguém.
Eu disse "ok", meio que rindo. Duvido que iria pra uma festa. Odeio muvuca.
Entramos na livraria e vi de cara um livro. Era da Agatha Christie. Nossa escritora preferida. Eu comprei "Morte no Rio nilo" e "A Noite das bruxas". Júlia pegou os mesmos. Era os livros que faltavam pra fechar a nossa coleção. Chegamos no caixa e quando virei minha cabeça pra quem estava no caixa. Era um garoto lindo. Acho que pela pressão que senti em ter certeza da minha sexualidade, acho que senti até tesão por ele. Ele tinha a pele escura, todo bonitinho. E um raio no lado na cabeça, o que me fez pensar se ele gostava do Jão. Com minha agilidade pra saber se ele era fã, perguntei se na loja tinha algum CD dele. Ele disse que não e ainda completou:
-Comprei o último, o Anti-Herói.
Meu coração acelerou na hora, parecia minha alma gêmea. Por mais que eu não acreditasse que na vida vamos encontrar uma certa pessoa que passaremos o resto da vida juntos. Achei naquele momento que "alma gêmea" realmente existia.
Pagamos os livros e saímos.
Ao sair de lá, comecei a falar com Júlia.
-Acho que gosto de meninos. Pelo menos fiquei em pânico com o do caixa. 
Ela riu e disse:
-A noite vamos realmente saber. Só pra saber, você não bebe nada alcoólico né?
Fiz com a cabeça que não. Encontramos  meus pais e fomos pegar as casquinhas.
Os dois novamente estavam rindo. Me veio uma breve angústia de saber que nem eu conseguia fazer minha mãe rir daquele jeito. Conversamos, e fomos tentar achar roupa que eu gostasse. Comprei algumas roupas de filmes. Fomos pra casa. No caminho pra lá, recebi uma mensagem. Era o Pedro. Ele mandou:
"Oi soldado, vamos jogar pela última vez nesse mês?"
Eu mandei uma foto minha e da Júlia fazendo careta e escrevi "ok".
Deixamos a Júlia na casa dela, dei um abraço na tia Amélia (Avó da Júlia), disse pra Júlia que não iria jogar ( o que era mentira) e fui para casa.
Cheguei, guardei os meus livros na estante. Peguei minhas roupas e guardei também. Liguei o computador e mandei a solicitação pra ele entrar na sala. Ele entrou. Perguntou se a Júlia ia jogar eu disse que não. Precisava conversar com ele, fazer perguntas sobre.
Ao iniciar a partida, ele começou a cantar "vou morrer sozinho" do Jão. Mais uma alma gêmea. Tô brincando.
Falei:
-Posso te perguntar uma coisa? Como você soube que era bi. Eu muito confuso com tudo isso.
-Olha... Pra mim também foi confuso. Eu descobri quando olhei pra um amigo meu com outros olhos. Segundas intenções, entende? Pra você vai ser mais um pouco difícil, pois achava que era hétero.
-Entendi. A Júlia quer me levar pra uma fes...
Minha frase foi interrompida por minha morte! Disse:
-Soldado, por favor vingue minha morte!
-É pra Capitão! Aliás, quando você chegar em Rio das ostras, vamos marcar de nos encontrar, pra você realmente descobrir qual sua sexualidade. Brincadeira! -Disse ele rindo.
-Fechou então...
Ele riu de novo.
Ao chegar no final da partida, só ouvi um grito ensurdecedor:
-TRAIDORES! ESTÃO JOGANDO SEM SUA MESTRA. 
-Fudeu! -Falamos juntos.
Ia me despedir mas a Júlia falou pra ele ficar na sala do jogo, pra opinar na minha roupa. Não sei pra que. Me visto tão bem. Semana passada mesmo usei uma blusa rosa com uma calça amarela e um tênis azul. Não querido leitor, não usei isso. É apenas ironia.
Ele disse que iria ficar lá. Sentei na cama, tirei o fone do computador e deixei o volume no máximo para que ouvisse ele, enquanto isso Júlia trouxe todo meu guarda roupa para minha cama. Tive a brilhante ideia de o Pedro sair da sala e ligar por vídeo chamada para meu celular. Ele fez isso.
Atendi e a Júlia já foi mostrando os "look's" para ele. Ele ajudou ela a escolher dois. Um era uma camisa com o Taz que a metade do corpo dele brilhava no escuro, uma calça rasgada com um all-star azul escuro. O outro era  uma blusa roxa, a mesma calça e um all-star preto. Ele escolheu o "look" número um. A Júlia foi pra sala e eu fui tomar banho. Nós dois esquecemos dele lá. Na verdade eu esqueci. Sai do banheiro. E graças a Deus já estava de calça. Só coloquei a blusa depois de arrumar o meu cabelo. Ele fez um "psiu". Eu me toquei na hora que ele ainda estava lá. Fiquei todo sem graça e disse:
-Você não viu nada demais não, né?
-Quer dizer você pelado? Infelizmente não...
Disse ele rindo. Eu ri também. Terminei de me arrumar chamei a Júlia e eles disseram que eu estava lindo. Fiquei todo sem graça e disse:
-Que sorte que vocês tem de me ter em suas vidas. Olha essa beleza.
Nós três rimos muito. Nos despedimos do Pedro e logo fomos pra festa. Dei tchau a minha mãe. Disse a ela e meu pai que iríamos ao cinema e eu dormiria na casa da Jú. E a Jú disse a mesma coisa pra sua avó...
Subimos a rua de cima e fomos em direção a festa. Era uma festa muito chique. Mas acho que era só fachada. Entramos, pagamos trinta reais para entrada. TRINTA REAIS. Paguei isso tudo e não tinha nem salgadinho. Fiquei triste ao ver que não tinha nem um refri pra as pessoas que não bebiam. A Júlia foi em direção ao bar pediu duas "Coca-colas". Achei realmente que era refrigerante. Em tese era. Era um drink feito com o refri. Bebi aquilo em segundos e pedi outro. Não sabia que era alcoólico, só soube após horas!
Fomos dançar, tava tocando Ideoligia do Cazuza. E sinceramente, aquela festa me ganhou só naquela música. Júlia virou pra mim e disse:
-Aquele menino olhando pra ti. Faz um gesto pra ele chegar mais perto.
Fiquei perdido, não sou de fazer isso. E na verdade nunca tinha beijado. Se você considerar treinar com uma laranja um beijo. Então beijei. Agora se não considera, eu não beijei...
Fiz com o dedo pra ele chegar mais perto. Ele chegou já me beijando. E confesso, gostei. Na verdade AMEI!
Uma menina também chegou em mim e eu não curti muito não.
Ao começar a dançar quase no fim da noite, bebendo um só drink ela toda. Fui andando em direção ao banheiro. E tinha uma fila enorme. Ao entrar no banheiro, minha visão estava meio borrada, mas vi uma coisa que juraria não ver. Era o Carlos (Pelo menos era o que achei ser uma pessoa). Fingi que não o vi, entrei na cabine do banheiro e  vomitei pra caramba. Não sei o que tinha naquele drink, sei que não me fazia bem. Encontrei a Júlia e disse que tinha visto ele. E ela disse:
-Eu também vi. Na verdade se você se virar um pouco vai vê-lo dando um beijo triplo.
Me virei achando que ia ver ele beijando duas garotas. Mas pra minha enorme surpresa eram dois caras. Fiquei chocado. Voltei ao bar pra pedir mais uma Coca. Júlia disse:
-Vamos, na hora. Você não sabe beber. Anda Alex. Vamos.
Eu quase vomitando disse apenas o "bora". Vomitei tanto no banco do bar que pensei que iria morrer.
Saímos da festa, passamos em um farmácia. Compramos aspirina. Júlia disse que era bom comprar. Comprei biscoito e refri. Fomos pra casa rindo e cantando muito alto:
-SER CORNO OU NÃO SER? EIS A QUESTÃO
Eu só me lembro daí pra frente que deitei, dormi e babei muito no travesseiro da Júlia.

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