Percepções

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Ao acordar, percebi que estava sozinho, como sempre. Lúcia tinha ido ao mercado, e meu pai para o escritório.
Ainda estava me sentindo nas nuvens... Liguei pra Julia e arrumei o meu quarto enquanto conversava com ela.
Em um certo momento que comecei a procrastinar, a Júlia me fez uma pergunta que, naquele momento, eu ainda não tinha uma resposta:
-Amigo, já sabemos que você gosta dele. Não é querendo te apressar nem nada, mas você precisa se entender e se aceitar, sabe? Vai que acontece alguma coisa entre vocês, e por não saber a sua sexualidade, você machuca ele e se machuca.
-Olha, tenho pensado sobre isso. Não tenho certeza se isso é gostar, gostar, ou é o sentimento de ter uma nova amizade. conheço você desde criança e esqueci como é esse sentimento.
-Entendo. Mas tenta se conhecer. isso.
-Okay.
-Já falou com ele hoje?
-Ainda não... Tenho uma coisa pra te contar.
-Ai, meu Deus, você é realmente hétero?!
-Não, besta. Como eu te falei, domingo vamos sair pra um barzinho e... Foi eu que chamei ele pra sair. No caso dessa frase o eu está em caixa alta.
-Pera. O que? Foi você que teve a atitude? Minha gente, o que Rio Das Ostras tá fazendo com você?
-Não sei! Será que aqui é a cidade dos boiolas? Eita hein...
-Se for, eu preciso ir pra arrumar uma namorada. Ou, falo igual a você, uma "amiga"...
-Júlia, você me deixando puto. Vai dormir que ainda é cedo...
-Pior que vou mesmo. Beijo.
-Tchau, beijo.
Liguei a TV e coloquei minha playlist de funk pra tocar. O que é leitor? Nem só de MPB vive o homem.
Comecei a pensar e a repensar, num looping infinito, em tudo que sempre imaginei pro futuro. Parei e notei que em minha cabeça, nunca me vi casando com alguma garota... Por mais que eu ficasse com algumas ao decorrer dos anos. Nunca senti uma real atração por ninguém. E naquele mesmo instante percebi que todos os meus personagens eram ou tinham pelo menos teorias de serem LGBT'S. Percebi que era parte da comunidade mas ainda não sabia em qual sigla me encaixava.
Toda a sociedade nos apressa a acharmos e resolvermos tudo de uma só vez. Não dão tempo ao tempo, sabe? Creio que sim...
Toda vez é isso. Até nos almoços em família sempre são as mesmas perguntas "pensa em fazer qual faculdade?" "tá estudando pro vestibular?" "e as namoradas", e se a minha resposta para todas essas perguntas fosse não?! Se assustariam? Nem sei bem ao certo qual seria a resposta certa.
Com a playlist ainda tocando, pensei em ligar para Pedro. Liguei. Mas infelizmente ele não atendeu. Creio que por ainda ser cedo, e em pleno sábado, ele estaria dormindo.
Terminei de organizar as coisas. Tomei um banho. E percebi que a luxação do soco ainda estava dolorida. Me lembrei do Carlos novamente. Será que ele se conhece? Pensar numa coisa dessas tendo ansiedade não é muito bom... Você sente que todos se conhecem e se amam, mas você não (e às vezes pode ser até mentira, mas você não sente que é).
Após o banho me deitei no sofá e me entreguei a mais devaneios e lembranças das quais estava muito apegado. Me lembrava a todo momento quando chamei ele pra sair. Achei que seria mais pra frente, não pensava que ele iria querer me ver naquela mesma semana. Perguntei com a intensão de ser, tipo, daqui a uma semana... Mas sair com ele no domingo também seria bom.
Meu celular tremeu. Era a tão esperada ligação do Pedro. Atendi, e ele falou com um tom de preocupação:
-O que aconteceu? tudo bem?
- sim, amigo. liguei pra conversar mas depois percebi que eram nove da manhã de um sábado, então você deveria estar dormindo. Mil desculpas...
-Tava mesmo, mas isso não importa. Achei que tinha acontecido alguma coisa. Tá com tanta saudade assim de mim? -disse ele em tom sarcástico
-Eu com saudade? Jamais. Quero distância de pobre... Não sei se mencionei mas não gosto de pobre não, viu?
-Meu Deus, amigo, você se odeia? Aqui no postinho tem terapia toda terça, se quiser a gente marca, tá? Amor próprio é tudo.
-Cara, tu é muito nojento... Sinceramente! -rimos mais um pouco e perguntei se ele queria jogar comigo, ele aceitou e só fomos.
Chamei a Júlia, mas por algum motivo (do qual não lembro) ela não pôde.
Passamos horas jogando. Depois fiz o almoço com ele em ligação. Falamos de tudo! De Marvel até teorias da conspiração... E assumo que ele foi a melhor coisa que me aconteceu.
Após passar a tarde toda conversando com ele e com a Júlia, que em algum momento entrou na ligação, eu me despedi.
Meu pai e a Lúcia chegaram e fingi não ter percebido. Peguei meu fone e comecei a ouvir uma playlist aleatória dessas que o Spotify nos oferece. Quando percebi já estava pegando no sono. Tirei o fone, coloquei o celular de lado e dormi.
No meio da madrugada ouvi gritos vindo do banheiro. Gritos chamando o meu pai. Percebi que eles eram da Lúcia. Me levantei num pulo e saí desesperado. Ao chegar lá, me deparei com o chão sujo de sangue, e depois vi meu pai segurando ela. Fiquei em choque, assustado por acordar aos berros e ainda ver todo aquele sangue. Meu pai gritou, pedindo que eu fosse colocar o carro pra fora para que ele pudesse descer a escada com ela devagar.
Nesse momento eu reagi, desci e abri a garagem. Só subi de volta ao banheiro quando percebi que ainda não sabia dirigir, e lembrei esse detalhe a ele. Falei que desceria com ela e que ele poderia tirar o carro despreocupado.
Ao começar a andar com ela, percebi que ela ainda gritava de dor. Não sabia o que estava acontecendo. Na verdade, não queria acreditar. Estava tão animado para ter um irmãozinho...

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