POV: Jeffrey
Quando diminuo a velocidade da moto e entro na estrada ladeada de árvores que irá me levar ao bairro referido pelo meu amigo, percebo quão cansado estou. A pele do meu rosto parece se esticar de tão castigada pela ação do vento, e certamente meus cabelos não estão melhores depois de horas sendo amassados pelo capacete. E nem vou mencionar sobre o meu traseiro - se vocês já tiveram o privilégio de viajar esmagando o banco de uma motocicleta por horas, devem imaginar o estado em que o meu está. O meu anfitrião ficou muito admirado quando lhe informara que sou ator... mas pobre dele, se está esperando um Brad Pitt.
Entro por uma das sebes altas do bairro e avisto o casarão enorme, e penso que talvez tivesse feito melhor se investido na carreira acadêmica. O tal professor que me alugou o quarto parece uma pessoa feliz. Seria eu feliz lecionando em uma universidade? Apesar dos pesares, sou feliz fazendo o que faço. Preciso ser mais otimista. Estou entrando em uma nova fase da minha vida.
Estaciono a velha Harley próximo à casa e desço, sentindo as pernas (especialmente os joelhos) reclamarem depois de tanto tempo na mesma posição. Tiro a bolsa das costas, arranco o capacete, os óculos escuros, desço o zíper da jaqueta e me alongo, sentindo o corpo ficar mais relaxado e diminuindo as minhas chances de me estabacar de exaustão. Olho meu rosto no retrovisor e penso que raio de ideia foi aquela de sair sem ter feito a barba. Passo a mão pelos cabelos, tentando dar um ar mais casual bagunçado - que no fim fica só bagunçado mesmo. É... o professor teria uma bela visão do ator com cara de maluco desesperado.
Subo os dois degraus da entrada e paro diante da imensa porta janela, localizando na parede o botão da campainha. Suspiro involuntariamente, aperto os olhos, passo mais uma vez a mão pelos cabelos e pressiono o botão, ouvindo o barulho reverberar dentro da casa.
Espero.
Dentro da casa, nenhum movimento.
Era só o que faltava, não ter ninguém ali. Pffff.
Pressiono o botão de novo, dessa vez, duas vezes seguidas.
Ouço uma voz feminina gritar MUNIR!!!!
Ahh, Munir. Munir alguma coisa em árabe.
Hummm... Bill me disse que o professor mora sozinho. Será alguma namorada? Filha? Não parece ser a voz de uma mulher muito mais velha.
Ouço a voz gritar de novo, dessa vez em um idioma desconhecido pra mim, de modo que só consigo "pescar" algumas palavras: "você de novo", "esqueceu"... Soa um barulho "tum tum tum" de alguém pisando duro, talvez uma pessoa de meia andando sobre um tapete ou carpete (o que se confirmou depois), e logo o barulho de chave e de trinco girando.
Estou com uma das mãos apoiada no batente e a outra segurando o capacete e a bolsa, quando a porta se abre num ímpeto. Uma mocinha morena de nariz arrebitado, vestida numa blusa de moletom cinza enorme e de meias três quartos azuis nos pés, segurando uma caneca e com as bochechas infladas pelo líquido indefinido que está bebendo, olha pra cima e me encara com olhos arregaladíssimos, me olhando por baixo da bagunça de cabelos sobre a sua testa emoldurada por um coque improvisado no alto da cabeça.
É, parceira. Obrigado pela sua solidariedade involuntária à minha aparência lamentável.
Ela vai engolindo o líquido aos poucos, o rosto mimoso ainda me encarando como se eu fosse um milhão de novidades. Será que bati na casa errada?
POV: Anna
Meu Deus, esse Munir é muito desligado.
De manhã já havia esquecido de levar as chaves, e agora, de novo...
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MISS MADEMOISELLE
Ficción GeneralAnna e Jeffrey - ela brasileira, ele americano - vivem suas histórias individuais, as frustrações, as realizações e como encontraram um no outro formas diferentes de ver a vida - e amar. Organizei um perfil no Instagram onde vocês podem conhecer mel...